Após esclarecer o que a importância da filosofia para jovens e os mais velhos e o que realmente são os deuses, Epicuro irá bordar em sua carta o problema mais intrigante da vida do homem que é a morte. Porque morremos? Porque saímos de um mundo tão bom e tão belo? Porque não somos eternos? Enfim, desde que o homem se conhece como tal, tais perguntas são inerentes a existência do homem, porém nenhuma resposta satisfatória até hoje foi encontrada. Meneceu e provavelmente muitos homens no contexto desta carta conviviam com esta inquietação e procuravam uma resposta que os completasse, e é justamente sobre a resposta que Epicuro lhes oferece que iremos nos debruçar e procurar compreender se a morte é realmente um empecilho para a conquista e a conseqüente fruição da felicidade.
“Acostuma-te a idéia de que a morte para nós não é nada, visto que todo bem e todo mal residem nas sensações, e a morte é justamente a privação das sensações. A consciência clara de que a morte não significa nada para nós proporciona a fruição da vida efêmera, sem querer acrescentar-lhe tempo infinito e eliminando o desejo de imortalidade.”
Vemos que Epicuro não confere nenhuma importância a morte mas, também não demonstra qualquer desprezo sobre ela, ou seja, a morte para ele não é um bem e também não é um mal, ela é simplesmente “privação das sensações”. O que ele quer dizer com isso? Pode-se perceber o caráter empirista de Epicuro ao dar aos sentidos a origem de toda e qualquer sensação. Assim, a morte não é um bem porque nos impede de retirar da vida que possuímos todo o prazer que ela pode nos oferecer e também não é um mal porque ao analisarmos a primeira parte da carta de Epicuro vimos que para ser feliz é necessária a busca e a posse da ataraxia e da aponia, isto é, respectivamente, ausência de perturbação na alma e ausência de dor, logo, ao nos preocuparmos com a morte não estaremos buscando a felicidade e o prazer, sendo desta forma infelizes.
E ao não nos preocuparmos com ela – a morte - não iremos nos preocupar com questões como imortalidade, vida pós-morte, enfim entre outras que tanto afligiam o homem grego e claro afligem o homem moderno. Se pararmos para refletir veremos que Epicuro tem razão. Quanto tempo já perdemos ao refletir sobre a morte sem uma resposta satisfatória? Ao invés de procurarmos respostas que não nos dizem respeito, deveríamos - como Epicuro nos convida – a vive esta vida com prazer, pois não teremos outra chance de voltar a este mundo. E a partir desta reflexão vemos que ele não é adepto da transmigração das almas ou a reencarnação que é a resposta do homem moderno e covarde de nosso tempo. E por que?
A crença em uma outra possibilidade de viver retira toda a nossa responsabilidade com a nossa vida neste mundo e principalmente com a vida dos outros. Alguém pode pensar: “ Ora, se não pude realizar este objetivo, em uma outra vida farei!”, nada mais ridículo! A oportunidade que temos é esta, procuremos fazer o máximo em nossas vidas para o nosso bem e conseqüentemente para o bem dos outros, pois esconder-se atrás de uma vida que não se realizará é, como disse uma covardia!
“Não existe nada de terrível na vida para quem está perfeitamente convencido de que não há nada de terrível em deixar de viver. É tolo, portanto, quem diz ter medo da morte, não porque a chegada desta lhe trará sofrimento, mas porque o aflige a própria espera: aquilo que não nos perturba quando presente não deveria afligir-nos enquanto está sendo esperado.”
Percebe-se que Epicuro apesar de afirmar que a vida feliz não deve ter nenhum tipo de preocupação, ele tem um profundo amor pela vida, pois de acordo com ele, nada existe de mais terrível quando alguém não se importa em deixar de viver. Viver é bom, a vida que temos é a melhor que poderíamos ter, entretanto para que possamos viver da melhor forma possível devemos retirar de nossa mente qualquer perturbação, o que é diferente de um provável desprezo pela vida, que parece surgir nas entrelinhas quando ele pede a ausência de qualquer perturbação.
“Então, o mais terrível de todos os males, a morte, não significa nada para nós, justamente porque, quando estamos vivos, é a morte que não está presente; ao contrário, quando a morte está presente, nós é que não estamos. A morte, portanto, não é nada, nem para os vivos, nem para os mortos, já que para aqueles ela não existe, ao passo que estes não estão mais aqui. E, no entanto, a maioria das pessoas ora foge da morte como se fosse o maior dos males, ora a deseja como descanso dos males da vida.”
A explicação que Epicuro nos oferece quando afirma que a morte não é nada, é clara. Para quem está vivo a morte não pode existir, justamente porque ele está vivo! E, o mais interessante é que, também para os mortos a morte também nada é, pois como não existe mais sensação sua presença como nenhuma presença qualquer pode ser sentida. Mas porque todos fogem da morte? Porque tanta vaidade? Quanto mais se procura meios de alongar a duração da vida, mais tempo perdemos em vivê-la, e é justamente quando o homem deixa de viver é que comete o maior mal que poderia fazer a sua vida, muito maior do que a morte, pois age como um morto-vivo.
“O sábio, porém, nem desdenha viver, nem teme deixar de viver; para ele, viver não é um fardo e não viver não é um mal. Assim, como opta pela comida mais saborosa e não pela mais abundante, do mesmo modo ele colhe os doces frutos de um tempo bem vivido, ainda que breve.”
A passagem acima é a mais bela da carta que Epicuro escreve a Meneceu, pois além de ratificar o que vinha dizendo desde o começo da carta sobre ser feliz, mostra também como agir. Quantos de nós, muitas vezes, confundimos a abundância com o prazer? Quantos de nós preferimos ter vários amigos não confiáveis, do que ter poucos amigos, porém fiéis? Quantos de nós preferimos ter muitas mulheres (ou muitos homens!) do que um fiel? O caminho que o mundo moderno oferece é sempre o do prazer, e por este motivo que este mesmo mundo moderno não é feliz, pelo contrário é solitário e amargo, desconfiado de tudo e de todos. Não importa, para Epicuro, o quanto tempo vivemos mas sim a forma de que vivemos.
“Quem aconselha o jovem a viver bem e o velho a morrer bem não passa de um tolo, não só pelo que a vida tem de agradável para ambos, mas também porque se deve ter exatamente o mesmo cuidado em honestamente viver e honestamente morrer. Mas, pior ainda é aquele que diz: bom seria não ter nascido, mas, uma vez nascido, transpor o mais depressa possível as portas do hades.”
O que Epicuro que nos dizer quando afirma que se deve viver e morrer honestamente? O que ele nos pede desde o começo da carta: o prazer. Viver a vida sem qualquer preocupação ou dor, mas sim vivê-la de forma simples e equilibrada sem abusos. Entretanto, o mundo moderno pede para viver bem e morrer bem, e é justamente este convite que devemos evitar pois, ele nos afasta de qualquer possibilidade de conquistarmos a felicidade. E aquele que ao viver, desdenha da vida e prefere a morte, comete a maior das ingratidões que se pode fazer com a vida, e para estes ele responde na seqüência de sua carta:
“Se ele diz isso com plena convicção, por que não se vai desta vida? Pois é livre para fazê-lo, se for esse realmente seu desejo; mas se o disse por brincadeira, foi um frívolo em falar de coisas que brincadeiras não admitem.”
A ética epicurista é a favor do suicídio para aqueles que não valorizam a única vida que possuem, afinal nada é empecilho para o homem em sua vida, ele não será condenado pelos deuses porque estes – por serem felizes – não se importam com ele. A vida tem um caráter tão importante na ética de Epicuro que nem por brincadeira se admite desdenhar a vida. E não são poucos! Muitos são aqueles em nosso tempo que reclamam, ao invés de procurar mudar, ser feliz.
No próximo tópico trabalharemos a terceira parte da carta de Epicuro onde ele aborda sobre o que são os verdadeiros prazeres e o futuro.
Até!
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