sábado, 19 de setembro de 2009

Carta sobre a felicidade de Epicuro a Meneceu - 1º parte


Em um mundo onde todos sem exceção querem ser felizes, uma dúvida se levanta: é possível, afinal, ser feliz? Epicuro certamente refletiu sobre esta pergunta antes de escrever a Meneceu sobre o que seria realmente ser feliz. Porém, as palavras de Epicuro possuem um valor que atravessou os tempos, por seu valor e importância.

Em primeiro lugar cabe destacar o contexto no qual surge Epicuro, e que é caracterizado como Período Helenístico que sucede ao Classicismo grego. Com o esvaziamento da cultura grega em razão das grandes guerras entre as cidades gregas provocaram um sentimento de insegurança generalizada, justamente por este vazio provocado por estas guerras que enfraqueceram a civilização grega. O Epicurismo surge juntamente com o Estoicismo para ocupar este vazio, oferecendo segurança, salvação e tranqüilidade em um momento de grande instabilidade.

Epicuro tem por objetivo libertar o homem dos falsos desejos, dos falsos problemas da vida, isto é, ele quer que o homem viva o prazer dentro do padrão humano, sem exageros. Sem a busca de prazeres desenfreados.

O vazio sobre o qual repousa a nossa sociedade que busca em valores fúteis a sua felicidade atravessa os séculos e nos impulsiona a dedicar uma reflexão aprofundada sobre a carta que ele envia a Meneceu sobre o que é realmente a felicidade. Por ser uma carta um pouco extensa e o estudo cuidadoso, procuraremos dividir a análise sobre esta em uma série de quatro reflexões sendo que a primeira iniciaremos abaixo.

Que ninguém hesite em se dedicar à filosofia enquanto jovem, nem se canse de fazê-lo depois de velho, porque ninguém jamais é demasiado jovem ou demasiado velho para alcançar a saúde do espírito. Quem afirma que a hora de dedicar-se à filosofia ainda não chegou, ou que ela já passou, é como se dissesse que ainda não chegou ou que já passou a hora de ser feliz. Desse modo, a filosofia é útil tanto ao jovem quanto ao velho: para quem está envelhecendo sentir-se rejuvenescer através da grata recordação das coisas que já se foram, e para o jovem poder envelhecer sem sentir medo das coisas que estão por vir; é necessário, portanto, cuidar das coisas que trazem a felicidade, já que, estando esta presente, tudo temos, e, sem ela, tudo fazemos para alcançá-la. Pratica e cultiva então aqueles ensinamentos que sempre te transmiti, na certeza de que eles constituem os elementos fundamentais para uma vida feliz”.

No início de sua carta, Epicuro destaca a importância da filosofia tanto para os mais jovens quanto para os mais velhos, ou seja, para ele nunca é tarde para refletir sobre a vida. A prática da filosofia, isto é do pensar, faz com que os mais velhos possam viver melhor pois, possuem aquilo que os mais jovens ainda não possuem que é a sabedoria. Aos mais jovens, entretanto, a prática da filosofia prepara-o para as dificuldades que estão por vir, o costume do raciocínio, do pensar antes de um agir precipitado é vital para uma sociedade em que os jovens possuem aversão ao pensar. A capacidade de raciocinar corretamente é a grande arma para uma sociedade que recebe uma série de informações prontas as quais se adapta sem se perguntar se é bom ou ruim para a sua própria vida. Entre estas se incluem a música sobre a qual devem escutar, os programas que devem ver, as meninas (ou meninos) que devem se relacionar, as amizades que precisam obter, as comidas que devem ingerir, etc.

Além disso encontramos neste início da carta a idéia que Epicuro tem sobre a felicidade. Para ele quanto mais jovem ou o velho se dedicam a filosofia menos estes irão se preocupar com o futuro, pois para Epicuro a felicidade é um bem que se persegue por ele mesmo. Viver de forma plena o hoje, como fosse o último dia; é uma frase bastante conhecida, porém, pouco assimilada. A preocupação com o amanhã mata pouco a pouco o homem moderno que vive conforme o amanhã, deixando de ser feliz hoje com a esperança de uma vida feliz amanhã. Sabendo assim o que é a felicidade para Epicuro, seguiremos adiante analisando agora os passos que ele julga essenciais apa a obtenção da felicidade.

Em primeiro lugar, considerando a divindade como um ente imortal e bem-aventurado, como sugere a percepção comum de divindade, não atribuas a ela nada que seja incompatível com a sua imortalidade, nem inadequado à sua bem-aventurança; pensa a respeito dela tudo que for capaz de conservar-lhe felicidade e imortalidade”.

Os Deuses aos quais os homens acreditavam no contexto de Epicuro além de numerosos - afinal, como dizia Plutarco, havia mais deuses em Atenas do que homens – possuíam inúmeras qualidades e também defeitos, ou seja, atribuíam a estes muitas de suas próprias características como vingança, ódio, fraqueza entre outras. E é justamente tais atributos que afastam o homem, segundo Epicuro, de sua felicidade, quando ele afirma no texto acima que não deve ser atribuído aos deuses características incompatíveis com a sua imortalidade e divindade.

Em nossos dias vemos acontecer o mesmo problema apesar de nossa sociedade não ser politeísta como a dos gregos. Ela – a sociedade – possui várias concepções de Deus, isto é, buscam um Deus que mais se adapta aos seus desejos e necessidades, tornando banal a crença em Deus e em sua real ação e providência. Quando este Deus ao qual acredita não age da forma que esta espera se decepciona, se revolta e procura um “novo Deus”, que seja mais poderoso em que possa acreditar. Epicuro, apesar dos problemas reconhecidos por ele com relação aos Deuses, ele entende como necessária a crença em Deus para a obtenção da felicidade como veremos na seqüência de sua carta:

Os deuses de fato existem e é evidente o conhecimento que temos deles; já a imagem que deles faz a maioria das pessoas, essa não existe: as pessoas não costumam preservar a noção que têm dos deuses, ímpio não é quem rejeita os deuses em que a maioria crê, mas sim quem atribui aos deuses os falsos juízos dessa maioria. Com efeito, os juízos do povo a respeito dos deuses não se baseiam em noções inatas, mas em opiniões falsas. Daí a crença de que eles causam os maiores malefícios aos maus e os maiores benefícios aos bons. Irmanados pelas suas próprias virtudes, eles só aceitam a convivência com os seus semelhantes e consideram estranho tudo que seja diferente deles”.

Vemos neste trecho que Epicuro detecta de forma precisa o erro que as pessoas cometem ao dar aos deuses características que não correspondem ao que eles realmente são: Aqueles que fornecem opiniões falsas a respeitos destes deuses, e que em nosso contexto são aqueles que estão a frente destas mesmas pessoas, seja qual for a igreja ou seita, os seus responsáveis é que são os verdadeiros ímpios a que se refere Epicuro em sua carta. São eles que ao invés de conduzir o povo a felicidade, ao contrário levam-nos a infelicidade.

Uma outra característica do pensamento de Epicuro sobre os deuses é que estes são felizes e por este motivo não estão nem aí com os problemas e necessidades dos homens. E também os homens, segundo Epicuro não devem se preocupar com os deuses, a felicidade para ele, está longe de qualquer perturbação seja ela qual for.

Terminamos assim, a análise da primeira parte da carta de Epicuro a Meneceu que aborda a questão dos deuses. Na próxima parte abordaremos a questão da morte para Epicuro e como o homem feliz deve lidar com ela.

Até!






Nenhum comentário:

Postar um comentário