quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

O último vôo da andorinha solitária

Nesse post gostaria de lançar um texto de Renato Janine Ribeiro, professor titular do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP), sobre a filosofia no ensino médio! Boa leitura!
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Último vôo da andorinha solitária
O futuro da filosofia no ensino médio está na parceria com outras disciplinas

Renato Janine Ribeiro*
A volta da filosofia ao ensino médio tem história. Em 1976, quando começava a lecionar filosofia na USP, fui dos que defenderam essa bandeira. A matéria constou do currículo até o fim da década de 60, quando o ensino médio - então chamado de "colegial" e dividido em "científico" e "clássico", sendo que o primeiro tinha mais classes e alunos - sofreu um golpe em sua qualidade. A razão era óbvia. O regime militar não queria que os jovens pensassem. Daí, aliás, o destaque dado aos vestibulares "de cruzinhas". Mais tarde, vim a saber qual a boa razão para saírem as provas dissertativas e entrarem as questões de múltipla escolha. Respostas em forma de redação eram uma loteria: a nota dependia do que "caísse" na prova. Lembro o medo que tínhamos, crianças, de sair o ponto que conhecíamos menos. Por isso, um exame com maior número de assuntos, cobrindo todo o programa, é mais justo. Gera poucas notas máximas, mas poucas distorções. Hoje, podemos chegar a uma síntese entre os dois modos de prova. O teste é útil para aferir conhecimentos obtidos. A prova dissertativa mede bem a capacidade de reflexão. O risco das múltiplas questões é ficar só na informação: o bom examinador é o que exige, mesmo nelas, um trabalho de reflexão. Já a dissertação é uma bobagem se for usada para avaliar apenas a informação adquirida. Seu melhor uso é quando a pergunta é inesperada - e se vê como o aluno elabora o imprevisto.

Discutíamos o ensino médio opondo conhecimento formativo e meramente informativo. A filosofia, como a sociologia, representava a qualidade. A alternativa seriam informações sem análise. Vendo de longe, estávamos no olho do furacão. A pior repressão se deu entre 1969 e 1974. A filosofia, em 1970, tinha saído das escolas. Mas daí a meros seis anos já víamos o ensino médio como degradado. Uma das causas disso foi, curiosamente, democrática. Existia um "exame de admissão" para entrar no ginásio, isto é, para passar do 4.º para o 5.º ano do primeiro grau. Era cruel: um vestibular feito por crianças de 10 anos. A esse preço, o ensino público era bom. Tínhamos colégios públicos melhores que os privados - mas eram poucos. Na zona sul de São Paulo havia o Alberto Levy, o Ennio Voss, o Alberto Conte. Ora, a ditadura arrebentou essa tranca e deu aos pobres acesso ao ginásio público, mas, degradando sua qualidade, acabou com o papel que ele tinha, de gerar elites.

Nesse quadro, muitos - entre outros, Marilena Chauí - nos mobilizamos pela volta da filosofia ao ensino médio. Queríamos espaço para a reflexão. Quem conhecia bem o assunto era Celso Favaretto, professor da PUC e, depois, da USP. Celso fez uma observação importante - e inquietante: o professor de filosofia, quando bom, tinha-se tornado o professor de reflexão. Mas com isso ele discutia qualquer assunto: cinema, comportamento, MPB. Daí vinha um problema. Embora filosofia seja uma atitude, um estilo, uma simpatia maior pela pergunta do que pela resposta, essa atitude não se constrói no vazio. Supõe um corpus de 2.500 anos. Sem isso, temos só um animador cultural. Mesmo ele, para funcionar, precisa ter adquirido um "estilo" que passa pelos nossos clássicos. Estudar estes últimos, aos 15 anos de idade, não é trivial. Requer cultura. Exige o domínio da língua, não só para ler, mas também para escrever. Quem domina todos esses matizes, quando a educação é degradada? Vivemos esse nó. Ele continua vivo e não é fácil desatá-lo. Por isso, perdi a fé no papel pujante da filosofia no ensino médio. Não adianta querer que os jovens "pensem" em abstrato: é preciso pensarem a partir de uma formação intelectual concreta. Isso não é fácil, quando a mídia deprecia o conhecimento - e quando o discurso escrito destoa tanto do mundo de imagens e sons em que, cada vez mais, vivemos.

Mas isso não quer dizer que a filosofia não tenha papel no ensino médio. Há um problema: dá para ensiná-la sem conteúdos filosóficos? E como evitar que eles sejam pesados e até incompreensíveis? O que defendo é que a filosofia não seja, no ensino médio, uma andorinha solitária. Se os alunos não conhecerem as riquezas da língua, não entenderão a precisão de um texto filosófico. A primeira parceria é, pois, com o professor de português. É parceria de mão dupla, porque a filosofia também pode ajudar, com os conceitos, a estudar a literatura. Como estudar o romantismo sem a filosofia romântica - uma filosofia que vá além das generalidades sobre Madame de Stael visitando a Alemanha? As outras parcerias podem variar. Penso na história, associando a filosofia com a política, a cultura, as descobertas; nas ciências, discutindo o "espírito científico" e suas mudanças no século 20 e 21; até na educação física, pois os filósofos pensaram muito o corpo (e muito contra o corpo...). Podemos desenhar programas de filosofia a partir dessas parcerias. Só receio uma filosofia sem aliados - e isso porque duas ou três horas semanais, o que me parece o mínimo razoável, é pouco, se não ressoarem no resto do ambiente. (Para comparar, no clássico tive três horas de filosofia por semana no 1.º ano, quatro no 2.º e cinco no 3.º. Era a matéria mais presente. No científico, ela aparecia só duas horas semanais, no 2.º ano). Também, desde que se preserve um conteúdo duro que seja filosófico, simpatizo com discussões sobre temas da vida atual. Mas essas discussões, nascendo da política ou da cultura ou do comportamento, não podem dispensar conteúdos filosóficos nem se pulverizar: gosto da idéia de ciclos de filmes, que dialoguem entre si, falando, por exemplo, na condição social dos personagens, no amor que vivem, na vinda do imigrante, na luta contra a opressão. Há muito espaço para pensar e, portanto, para a filosofia.

*Doutor em filosofia, Renato Janine Ribeiro é professor titular do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP).

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Bento XVI e os bispos que negam o holocausto: As verdades e mentiras que foram ditas na mídia.

O Papa Bento XVI, no final de Janeiro levantou a excomunhão dos bispos da Fraternidade Sacerdotal São Pio X, e suscitou uma grande polêmica. Afinal um destes Bispos o sr. Dom Willamson, afirmou anteriormente em uma entrevista a uma emissora de TV sueca que o holocausto nunca existira e mais: que os 6 milhões de mortos nas câmaras de gás não passavam na verdade de 300.000. A atitude de Bento XVI parecia provocar um grande cisma entre judeus e católicos, pois, como pode o chefe supremo da Igreja, o sucessor de Pedro, acolher novamente tais bispos e no caso específico Dom Williamson que nega uma das maiores atrocidades cometidas pelo homem? Estaria o papa, com a decisão de levantar a excomunhão destes bispos também fechando os olhos para tal tragédia?
Como sempre a mídia - que nada entende de religião - contribuiu e muito para esta grande confusão. Porque ela fez o óbvio: juntou a atitude do Papa com as palavras do bispo e qual o resultado? Várias críticas sobre a já muito criticada Igreja Católica Apostólica Romana, onde todos principalmente os intelectuais se baseavam em notícias de jornais como as que vou apresentar a seguir para apresentar suas críticas; sem contar o povo judeu que queria cortar relações com os católicos, justamente por tais declarações de tal bispo e que por coincidência ou não do destino aconteceram ao mesmo tempo do levantamento da excomunhão de cada um deles. Segue a seguir algumas das "manchetes" dos jornais sobre o assunto do qual tratamos e seus respectivos links:

PAPA REABILITA BISPO QUE NEGA O HOLOCAUSTO
http://www.abril.com.br/noticias/mundo/papa-reabilita-bispo-nega-holocausto-247650.shtml

REABILITAÇÃO DE BISPO QUE NEGA O HOLOCAUSTO REVOLTA OS JUDEUS
http://noticias.terra.com.br/mundo/interna/0,,OI3471069-EI312,00-Reabilitacao+de+bispo+que+nega+Holocausto+revolta+judeus.html

DECISÃO DO PAPA DE REABILITAR BISPO QUE NEGA O HOLOCAUSTO RECEBE VÁRIAS CRÍTICAS
http://tsf.sapo.pt/PaginaInicial/Internacional/Interior.aspx?content_id=1125357

Podemos agora, de posse de tais "manchetes", ir em busca da verdade e perceber o quanto é perigosa uma mídia desinformada. Como eu disse no início, a decisão do Papa em levantar a excomunhão de tais bispos juntou, como diz o ditado: "a fome com a vontade de comer", pois ela aconteceu logo após as declarações do tal bispo e provocaram esse verdadeiro "alvoroço" pois todos se voltaram contra a Igreja Católica e com certeza criticaram, sem é claro saber como tudo aconteceu.
Iniciemos nossa reflexão em busca da verdade voltando no tempo, mais precisamente no dia 11 de Outubro de 1962, quando sob o papado de João XXIII iniciou-se o Concílio Vaticano II. Este concílio se caracterizava como um "aggiornamento" e um "retorno ás fontes", ou seja , a Igreja sentia a necessidade de uma atualização, o que não significa que a palavra de Deus também precise, pois ela é perene e imutável mas sim adaptá-la - podemos dizer assim - ás novas necessidades que a própria Igreja precisava corresponder e o "retorno ás fontes" significava uma redescoberta das riquezas espirituais nos primórdios da Igreja. Mas, essa nova visão que a Igreja buscava não agradou a alguns setores tradicionalistas da Igreja, como por exemplo o fim da missa ser celebrada em latim, com o surgimento da chamada "missa nova", das comunidades religiosas formadas na grande maioria das vezes por leigos consagrados mas, tendo sempre como responsável um sacerdote ou um bispo, dentre outras.....Por mais que não houvesse agradado alguns setores da Igreja um Concílio deve ser obedecido, caso contrário, ocorre uma excomunhão automática, que também ocorre quando a pessoa não aceita um papa eleito de forma legítima, afastando-se assim da unidade da Igreja.
No caso referente a excomunhão dos bispos em questão, ela não aconteceu em nenhum dos dois casos e sim porque receberam a ordenação episcopal, ou seja, o chamado ao bispado sem o chamado do Santo Padre, como manda a lei da Igreja. Nesse caso também ocorre uma excomunhão automática, onde a Igreja ao notar tais fatos torna pública a excomunhão. Agora que sabemos qual foi o motivo da excomunhão dos quatro bispos da Fraternidade Sacerdotal São Pio X, convido a entendermos o motivo pelo qual o Papa chamou-os de volta a unidade da Igreja.
A excomunhão é a pena mais grave imposta pela Igreja Católica a um fiel, ela pode acontecer de várias maneiras, e também não significa a perda do vínculo espiritual com a Igreja, a não ser em casos da perda da fé. O Santo Padre, recebeu um pedido do prelado desta Fraternidade pedindo a anulação desta excomunhão em 15 de Dezembro de 2008, pedido esse feito após um longo período de diálogo com a Sé Apostólica, e decidiu por cancelar a pena de excomunhão que fora aplicada a estes bispos que, na carta enviada ao pontífice declaram estar convictos de que são Católicos e que reconhecem o Papa Bento XVI, como sucessor de Pedro e chefe da Igreja fundada por Jesus Cristo. É bom deixar claro que apesar do cancelamento da excomunhão estes bispos ainda não estão em comunhão plena com a Igreja e ainda não podem exercer o ministério episcopal. Segue abaixo o link da carta da Congregação dos Bispos, escrita pelo prefeito da congregação Cardeal Giovanni Battista :
http://212.77.1.245/news_services/bulletin/news/23251.php?index=23251&lang=it

Isto posto, vemos então o real motivo o Papa Bento XVI anulou a sentença de excomunhão dos quatro bispos da Fraternidade Sacerdotal São Pio X. Isso a mídia não divulga não porque não quer, mas, porque não sabe!!!! Não tem interesse em saber, o que interessa na verdade é vender jornais, promover o ódio e polemizar.
É claro que o holocausto existiu, e é mais claro ainda que o tal bispo errou (e muito!) ao negar tal fato, mas a opinião dele não é a opinião da Igreja. Agora, este mesmo bispo que disse tal besteira, se retratou e pediu desculpas, mas infelizmente, a mídia não pode noticiar e por quê? Por que não vende!!! Segue abaixo o link referente o pedido de perdão ao Santo Padre, do Bispo Dom Williamson, que também se encontra no site Dinoscopus:
http://www.montfort.org.br/index.php?secao=veritas&subsecao=igreja&artigo=pedido-perdao-williamson〈=bra

Portanto, vemos que não somente neste caso, mas em outros casos, em outras esferas da sociedade recebemos na maioria das vezes as notícias pela metade. No caso da religião isso se torna ainda pior, pois muitos que leram ou ouviram tais notícias se voltaram contra a Igreja Católicos - incluindo aí muitos católicos - que provavelmente tomaram decisões influenciados pelo fervor das notícias. Assim, se você que lê este artigo e continua em dúvida os links estão aí para comprovar; agora se você que lê este artigo e não é católico e disse que o Papa é a imagem do demônio (sic), reveja as formas pelas quais se informa, pois muitas vezes o demônio veste terno e gravata e apresenta telejornais!!!!



Walmir Cardoso é graduando em filosofia pelo Centro Universitário Assunção - UNIFAI

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

A vida feliz - parte 2

Hoje a noção de felicidade está, infelizmente, muito atrelada à idéia de sucesso material, consumismo e prazer imediato. Alguns estudiosos da pós-modernidade falam em "era do vazio". Um deles, Jair Ferreira dos Santos (autor do livro O que é Pós-Moderno?), afirma que o "espírito" do homem contemporâneo se traduz na seguinte sentença: "Marx morreu, Deus também, e eu não me sinto muito bem". O que ele quer dizer com isso? Que os ideais maiores - aqueles que davam sentido à nossa existência - como por exemplo a utopia socialista de Marx e o cristianismo, acabaram perdendo espaço. Com isso, restou uma ausência de sentido; este "mal-estar" e este sentimento de vazio é a grande marca deste começo de século XXI - é o nosso Zeitgeist. Note: quando filosofias como a marxista ou a cristã enfraquecem, enfraquece também a noção de história, de linha do tempo. No marxismo, a noção de história se traduz no itinerário pré-capitalismo, capitalismo, luta de classes, revolução e socialismo; no cristianismo é o itinerário do Gênesis até o Apocalipse. Ou seja, em ambos os casos há uma noção de passado-presente-futuro, e de um futuro que será melhor do que o passado e o presente, isto é, de um futuro no qual as opressões passadas e presentes não mais existirão. Neste sentido, revolução socialista e o apocalipse se assemelham, porque são rupturas radicais rumo à "algo melhor". Na pós-modernidade, perdemos essa noção de historicidade, não nos vemos mais inseridos na história, e aí, perdendo-se esta linha do tempo, perdemos, além do passado e do presente, a idéia de futuro, a esperança na construção de um futuro. Por isso que hoje filosofias como a do "carpe diem" ("aproveite o momento presente") estão tão em moda. Quando perde-se a idéia de história, de amanhã, de futuro, de utopia, de esperança, só nos resta mesmo aproveitar ao máximo o "dia de hoje". O carpe diem é, portanto, no fundo, uma filosofia do desespero, do desespero pós-moderno. Este estilo de vida, porém, não nos satisfaz. Por isso hoje a literatura de auto-ajuda faz tanto sucesso. Ao mesmo tempo em que "tenta" suprir um vazio existencial e apontar um sentido para a existência, procura indicar o caminho do sucesso em termos práticos (como adquirir um emprego, como agradar o seu chefe, como ganhar dinheiro etc...). Esse boom de igrejas evangélicas na televisão aponta esta mesma tendência: a filosofia pregada pelo carpe diem não é o suficiente para nos fazer felizes, precisamos de "algo mais". O problema, porém, tanto na auto-ajuda quanto nestas igrejas evangélicas é que, na verdade, elas não estão realmente compromissadas com uma "recuperação dos sentidos de viver"; ao contrário, o seu único objetivo é lucrar com o sentimento de vazio que assola o homem contemporâneo. Se por um lado as pessoas sentem intimamente uma necessidade de "algo mais", por outro elas continuam influenciadas pela filosofia do carpe diem, que tem na publicidade o seu maior porta-voz. As coisas acabam se misturando. Aquela pessoa que, por um lado, busca "algo mais", em contrapartida, movida pelo espírito tipicamente imediatista do "carpe diem", almeja "curas" e resultados imediatos. Promete-se, justamente aonde a filosofia do "carpe diem" deveria ser refutada, a satisfação desse ideal hedonista. Ao invés de se contraporem à esta lógica imediatista, tanto a auto-ajuda quanto essas igrejas evangélicas se calcam por ela. Por isso fazem tanto sucesso. Prometem cura e alimento espiritual (que é o que nos falta nessa era do vazio), mas de maneira rápida e prática; neste sentido, são oportunistas, porque esse "mistão" de pseudoespiritualidade misturado com filosofia do carpe diem oferecem justamente aquilo que o "público consumidor" (sim, público consumidor) espera: suprir o vazio imediatamente. Nunca você vai ouvir o pastor de uma grande igreja dizer que "Deus não dá as coisas de mão beijada e não se importa com carros do ano", ou mesmo mostrando para seus fiéis que um itinerário de evolução espiritual requer paciência, tempo, e que não deve se pautar por uma "lógica de resultados".

Foto: Sede de uma igreja Universal; Hoje as pessoas procuram "auxílio espiritual" porque não se sentem plenamente felizes numa sociedade que cultua o "carpe diem". Por outro lado, paradoxalmente, continuam influenciadas e seduzidas por esta filosofia do "aqui-e-agora". Assim, essas igrejas de televisão, fingindo-se contrárias à esta lógica imediatista, estão - na verdade - nela fundamentadas.

Uma dessas igrejas faz, inclusive, uma "corrente de oração" para empresários (como se os empresários fossem, numa sociedade desigual como a nossa, os mais necessitados de orações). A religião, neste caso, se vulgariza, se banaliza, torna-se mercado. Está muito visível, na cena da contemporaneidade, que o homem precisa de "algo mais" para sentir-se feliz. Mas, sob a influência de uma sociedade capaz de mercantilizar e imediatizar até mesmo possíveis "caminhos de cura", o homem pós-moderno fica sem alcançar esse "algo mais". A felicidade, quando aparece, não se dá de uma maneira plena, completa, mas sim de forma artificial.

Rafael Issa é graduando em Filosofia pela Universidade de São Paulo e formado em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

A vida feliz para Santo Agostinho x A vida feliz para o mundo de hoje

Em um mundo onde cada pessoa é única, encontraremos também opiniões, crenças e pensamentos diversos sobre vários assuntos, mas, em uma coisa todos - eu disse TODOS - tem uma coisa em comum: o desejo de ser feliz. Não encontraremos nenhuma pessoa neste mundo que não queira ser feliz, nem que seja por um instante, todos procuram a felicidade. Assim,sabendo que cada pessoa tem consigo o desejo de ser feliz, esse desejo não é o mesmo entre todos. Cada um tem a sua maneira de ser feliz ou alcançar a felicidade; uns são felizes cometendo delitos, outros enganando e há aqueles que buscam a felicidade mas, não sabem o que realmente seja ser feliz. Dessa maneira suscita-se em nós algumas perguntas: O que é realmente ser feliz? Qual a verdadeira felicidade? E ainda uma outra: Porque desejamos tanto a felicidade?

Segundo Santo Agostinho a vida feliz consiste em possuir a Deus, como ele mesmo relata em seu livro Confissões : A vida feliz consiste em nos alegrarmos em Vós, de Vós e por Vós. Eis a vida feliz, e não há outra. os que julgam que existe outra apegam-se a uma alegria que não é a verdadeira." (Conf. X,22,32) Agostinho não chega a essa conclusão de uma forma arbitrária, baseada em "achismos", ela é fruto de uma intensa reflexão sobre a sua própria experiência pessoal. Mas antes de chegar a esta conclusão, uma outra pergunta inquietava a Agostinho: Como procurar, então, a vida feliz?(Conf. X,20,29)
Para responder a esta pergunta, Agostinho parte da memória, que segundo ele é o "ventre da alma". A memória é para Agostinho de suma importância, pois é ela que armazena tudo o que é captado por nossos sentidos de uma forma organizada, mesmo aquelas lembranças mais antigas estão devidamente guardadas em nossa memória. E não só o que é captado pelos sentidos mas também as ciências que são captadas por nós através do nosso intelecto e que também são armazenadas em nossa memória. Essa importância que Agostinho dá a memória no Livro X das Confissões não é por acaso, afinal se procuramos e desejamos tanto ser feliz, é porque esse desejo está em nossa memória. Mas como? Agostinho então cita o Evangelho de S. Lucas Cap. 15 vers. 8, que fala da mulher que tendo dez dracmas, ao perder uma, procura a dracma perdida e não descansa até encontrá-la. Ele cita este texto para afirmar que se a mulher não se recordasse de sua moeda jamais poderia encontrá-la. Da mesma forma, a vida feliz que tanto procuramos, como a mulher que no Evangelho procura a Dracma, deve estar também em nossa memória como a dracma perdida. O problema está em saber como esse desejo por essa vida entrou nela, pois como Agostinho diz não pode ter sido através dos sentidos pois a felicidade não é um corpo, e nem como as ciências pois estas ao recebermos em nosso intelecto não a desejamos, ao contrário da vida feliz que desejamos possuir.
A resposta encontrada por Agostinho para essa questão que vem de sua influência platônica, é que esse desejo pela felicidade e outras idéias que possuímos, desde nossa infância,estão em nós de uma forma inata, e que apenas nos recordamos delas no decorrer de nossa vida. A novidade que Agostinho propõe é que essa lembrança é feita através de uma iluminação divina, ou seja, Deus em sua infinita misericórdia, concede á aqueles que o procuram o caminho, a direção, pois o homem por si só não é capaz de encontrar a Deus, a vida feliz.
Em nossos dias a procura pela felicidade está associada a prosperidade, o que não é nenhum erro desejar possuir bens para que possam tornar a nossa vida um pouco mais confortável, o problema está na importância que damos a este desejo. Em um mundo passando por uma grave crise financeira com milhares de pessoas no mundo inteiro perdendo seus empregos, a procura por Deus e sua misericórdia está em destaque. A idéia de que uma vida feliz está associada a posse de bens, distorce a idéia de vida feliz proposta por Santo Agostinho. Agostinho procurava uma verdade, uma felicidade que não perece, que não desapareça com tempo, procurava a Deus. Confiava a Ele todas as suas necessidades e principalmente suas conquistas, hoje em dia as pessoas não conseguem mais confiar em Deus e por que? Pelo fato de que as pessoas se espelham naqueles que são prósperos, seguem modelos humanos de felicidade e prosperidade, aliando às conquistas destas pessoas a posse de Deus. Sendo assim aqueles que ainda não as possuem, ainda precisam se doar mais, acreditar mais, como se Deus precisasse de nossas orações para fazer a nossa vontade.
Portanto, para Santo Agostinho a vida feliz, como dito acima, consiste na posse de Deus. Para o mundo consiste na posse de bens. Deus para Agostinho está em um caráter principal, dele provém tudo, ao contrário, para o mundo Deus está em um caráter secundário, onde a confiança em Deus em momentos difícieis parece algo possível de se conseguir, a confiança que o dinheiro e a posse de bens nos traz parece sufocar a posse de Deus. A grande diferença está em que a posse de bens está condicionada ao momento, hoje temos amanhã ninguém não se sabe. A posse de Deus é perpétua, não sofre abalos nem incertezas. Se a filosofia de Agostinho, para muitos não é a melhor, é pelo menos mais segura. E para você, o que é ser feliz?

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Compromisso na televisão

Não dá para negar: a atual programação da nossa tv aberta é de péssima qualidade - um festival de mau gosto, salvo raríssimas exceções. A única maneira de reverter este quadro é criando novas regras para a televisão brasileira. O problema, porém, ao propor "regras para a tv", é que boa parte da opinião pública e dos políticos (além, claro, das próprias emissoras de televisão) defenderiam a tese de que este é um caminho anti-democrático, um retorno à censura. A população torceria o nariz. Mas será que essas regras realmente caracterizariam um "retorno à censura"?

Programas como A Tarde é Sua, SuperPop e Malhação representam o que há de pior na televisão brasileira

Novas regras, medida democrática. De fato é preciso preservar (e fazer avançar) as liberdades democráticas em nosso país. Contudo, democracia não é sinônimo de "pode tudo". Todo país precisa de regras capazes inclusive de garantir e ampliar a democracia. Por esta razão, a televisão brasileira precisa urgentemente de cotas de compromisso. Cada emissora deveria se comprometer a usar parte da sua programação para transmitir programas socialmente responsáveis. Confesso que, leigo em questões de legislação, não sei até que ponto já são exigidos dos canais de televisão comprometimentos assim. Provavelmente as leis referentes à tv fazem recomendações deste tipo, sem entretanto cobrar efetivamente que tais compromissos sejam assumidos. O que de toda forma parece-me claro é que, se existem recomendações ou mesmo cobranças neste sentido, possuem impacto irrisório sobre o produto final. Isto não deve significar que o Estado rigorosamente idealize e controle as produções advindas destas cotas de compromisso (o que inevitavelmente traria o risco de partidarização da tv); o que ele deve é garantir que os canais abertos dediquem uma parcela da sua grade horária à programas comprometidos com a cultura, com a educação, com a criança, com a inclusão social, com uma discussão política mais aprofundada, com debates sobre questões socialmente relevantes etc. As emissoras abertas poderiam, inclusive, repartir estes compromissos. Problema: ao produzir programas fundados nesta proposta, como iríamos decidir quais seriam adequados à ela e quais não? Bem, estes critérios teriam de ser discutidos com mais profundidade. Talvez uma comissão de Ética - temperada com professores, acadêmicos, especialistas na área de comunicação, psicólogos, filósofos, sindicatos, ongs etc - pudesse fazer tal julgamento (o que parece muito mais coerente e democrático do que mera sujeição à decisão de apenas seis donos de emissora). É uma sugestão, outras poderiam ser levantadas. De toda forma, com isso nós não estaríamos destruindo os espaços de livre-criação daqueles que fazem a tv ou banindo os programas que buscam entreter - mas sim equilibrando, diversificando a televisão, impedindo que o entretenimento (vulgar, na maioria dos casos) tenha a hegemonia que atualmente possui. Permitiríamos assim o acesso do público à um outro universo, em que houvesse um contraste harmonioso entre diversão, humor, informação, ludicidade e responsabilidade social. Em outras palavras: fazendo "mais democracia", e não "menos democracia". Uma televisão não ser controlada ou censurada pelo Estado não garante que ela seja essencialmente democrática; o público hoje, na verdade, está submetido às opções (pouco variadas) oferecidas por meia dúzia de empresários intocáveis que comandam os canais abertos e que visivelmente estão objetivando apenas audiência e lucro. O que verdadeiramente lhes interessa é que seus programas - independentemente de qualidade - tenham audiência; assim, poderão cobrar mais dinheiro de seus anunciantes. Por isso se faz uma programação tão nivelada pelo baixo nível cultural da grande maioria da população (na qual, sim, incluo também as classes média e alta, que não deixam de ser incultas e irreflexivas), e não uma programação cujo fim fosse fazer o espectador se superar, se "elevar". Segundo Renato Janine Ribeiro, professor de Ética e Filosofia Política da USP, em sua obra O Afeto Autoritário, "o setor de política de comunicação se tem caracterizado, infelizmente, por uma inquietante omissão do poder público". A televisão aberta, que deveria constrastar distração e elevação, diversão e reflexão, apenas distrai, e da pior maneira possível. E aí mesmo naqueles momentos em que poderíamos - em tese - pensar (com os telejornais, por exemplo), acabamos de certa maneira não o fazendo. Acompanhamos os noticiários na tv também como uma forma de distração. Telejornal no Brasil é muito mais sinônimo de distração mórbida do que de informação; eles pouco conseguem fazer com que nós compreendamos mais profundamente a situação econômica e social do país. Neste sentido, apenas reforçam o espírito de alarmismo, e aquele sentimento muito difundido de que "tudo está uma droga e nada tem solução". Falta ao público a capacidade de reflexão em cima da notícia, e falta ao nosso telejornalismo a capacidade de suscitar essa reflexão.

Mesmo os telejornais brasileiros se mostram incapazes de suscitar reflexões pertinentes

Tudo isto dá à nossa televisão um caráter extremamente ditatorial que - por não ser diretamente advindo do Estado (embora indiretamente sim, porque o Estado é também responsável por este "quadro" que torna nossa população tão vulnerável e passiva diante de uma programação de tão péssima qualidade) - parece não nos incomodar. Muitos brasileiros não encontrariam dificuldades em constatar que uma televisão inteiramente controlada pelo Poder Executivo não é democrática (nosso recente passado político nos ensinou os males que podem ser causados por um Estado autoritário); nos esquecemos, porém, que uma tv inteiramente controlada por um empresário também não o é, viabilizando-se aí aquilo que o sociólogo francês Pierre Bordieu acertadamente chamou de "censura invisível". Nós precisamos de um caminho intermediário: nem um "pode tudo", nem um "não pode nada". O "pode tudo" é tão prejudicial e tão ditatorial quanto o "não pode nada". No "pode tudo" prevalece a ditadura do mesmo. Um exemplo: a igreja da Graça, do pastor evangélico Romildo Ribeiro Soares, possui hoje horários em várias emissoras de televisão. Isso não é uma afronta à democracia? Não haveria aí uma distribuição injusta do espaço, calcada apenas na lei do "quem pode pagar, leva"? Uma tv democrática não deveria ser aquela em que os membros de outras igrejas, e mesmo de outras religiões, pudessem aparecer e, assim, apresentar suas cosmovisões de mundo em condições de igualdade? Se não existe uma religião oficial no Brasil, não deveria então haver limitações para este tipo de "expansionismo"?

Com a contribuição financeira dos fiéis da sua Igreja da Graça, o pastor Romildo Soares acumula cada vez mais horários na televisão

Além das cotas de compromisso, é preciso também repensar a distribuição do espaço, implementando restrições necessárias que contenham os abusos - não apenas no campo da religião - e permitam que a televisão se desenvolva com diversidade. O mito da "liberdade de mercado", hoje tão inconscientemente difundido na mentalidade da população, nos faz ter ojeriza à idéia de um empresário sendo minimamente limitado por regras e leis. Porém, à medida em que, sem limitações, impõe-se arbitrariamente (e com nivelação por baixo) o que 180 milhões de pessoas devem assistir na televisão, esta "liberdade de mercado" acaba sendo um obstáculo ao desenvolvimento da liberdade intelectual de cada cidadão. Deve-se lembrar que, mesmo quando privado, um canal aberto é sempre voltado para toda a população e que - assim sendo - a tv não pode ser eximida de assumir responsabilidades para com este público cujos valores e opiniões ela tanto influencia.

* Fica como dica de leitura os tópicos A Omissão do Poder Público, A tese liberal contrária à censura e O uso do liberalismo econômico contra os deveres constitucionais da comunicação de massas, presentes no livro O Afeto Autoritário - Televisão, Ética e Democracia, de Renato Janine Ribeiro, professor de Ética e Filosofia Política da Universidade de São Paulo.

Rafael Issa é graduando em Filosofia pela Universidade de São Paulo e formado em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo.