quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

A vida feliz - parte 2

Hoje a noção de felicidade está, infelizmente, muito atrelada à idéia de sucesso material, consumismo e prazer imediato. Alguns estudiosos da pós-modernidade falam em "era do vazio". Um deles, Jair Ferreira dos Santos (autor do livro O que é Pós-Moderno?), afirma que o "espírito" do homem contemporâneo se traduz na seguinte sentença: "Marx morreu, Deus também, e eu não me sinto muito bem". O que ele quer dizer com isso? Que os ideais maiores - aqueles que davam sentido à nossa existência - como por exemplo a utopia socialista de Marx e o cristianismo, acabaram perdendo espaço. Com isso, restou uma ausência de sentido; este "mal-estar" e este sentimento de vazio é a grande marca deste começo de século XXI - é o nosso Zeitgeist. Note: quando filosofias como a marxista ou a cristã enfraquecem, enfraquece também a noção de história, de linha do tempo. No marxismo, a noção de história se traduz no itinerário pré-capitalismo, capitalismo, luta de classes, revolução e socialismo; no cristianismo é o itinerário do Gênesis até o Apocalipse. Ou seja, em ambos os casos há uma noção de passado-presente-futuro, e de um futuro que será melhor do que o passado e o presente, isto é, de um futuro no qual as opressões passadas e presentes não mais existirão. Neste sentido, revolução socialista e o apocalipse se assemelham, porque são rupturas radicais rumo à "algo melhor". Na pós-modernidade, perdemos essa noção de historicidade, não nos vemos mais inseridos na história, e aí, perdendo-se esta linha do tempo, perdemos, além do passado e do presente, a idéia de futuro, a esperança na construção de um futuro. Por isso que hoje filosofias como a do "carpe diem" ("aproveite o momento presente") estão tão em moda. Quando perde-se a idéia de história, de amanhã, de futuro, de utopia, de esperança, só nos resta mesmo aproveitar ao máximo o "dia de hoje". O carpe diem é, portanto, no fundo, uma filosofia do desespero, do desespero pós-moderno. Este estilo de vida, porém, não nos satisfaz. Por isso hoje a literatura de auto-ajuda faz tanto sucesso. Ao mesmo tempo em que "tenta" suprir um vazio existencial e apontar um sentido para a existência, procura indicar o caminho do sucesso em termos práticos (como adquirir um emprego, como agradar o seu chefe, como ganhar dinheiro etc...). Esse boom de igrejas evangélicas na televisão aponta esta mesma tendência: a filosofia pregada pelo carpe diem não é o suficiente para nos fazer felizes, precisamos de "algo mais". O problema, porém, tanto na auto-ajuda quanto nestas igrejas evangélicas é que, na verdade, elas não estão realmente compromissadas com uma "recuperação dos sentidos de viver"; ao contrário, o seu único objetivo é lucrar com o sentimento de vazio que assola o homem contemporâneo. Se por um lado as pessoas sentem intimamente uma necessidade de "algo mais", por outro elas continuam influenciadas pela filosofia do carpe diem, que tem na publicidade o seu maior porta-voz. As coisas acabam se misturando. Aquela pessoa que, por um lado, busca "algo mais", em contrapartida, movida pelo espírito tipicamente imediatista do "carpe diem", almeja "curas" e resultados imediatos. Promete-se, justamente aonde a filosofia do "carpe diem" deveria ser refutada, a satisfação desse ideal hedonista. Ao invés de se contraporem à esta lógica imediatista, tanto a auto-ajuda quanto essas igrejas evangélicas se calcam por ela. Por isso fazem tanto sucesso. Prometem cura e alimento espiritual (que é o que nos falta nessa era do vazio), mas de maneira rápida e prática; neste sentido, são oportunistas, porque esse "mistão" de pseudoespiritualidade misturado com filosofia do carpe diem oferecem justamente aquilo que o "público consumidor" (sim, público consumidor) espera: suprir o vazio imediatamente. Nunca você vai ouvir o pastor de uma grande igreja dizer que "Deus não dá as coisas de mão beijada e não se importa com carros do ano", ou mesmo mostrando para seus fiéis que um itinerário de evolução espiritual requer paciência, tempo, e que não deve se pautar por uma "lógica de resultados".

Foto: Sede de uma igreja Universal; Hoje as pessoas procuram "auxílio espiritual" porque não se sentem plenamente felizes numa sociedade que cultua o "carpe diem". Por outro lado, paradoxalmente, continuam influenciadas e seduzidas por esta filosofia do "aqui-e-agora". Assim, essas igrejas de televisão, fingindo-se contrárias à esta lógica imediatista, estão - na verdade - nela fundamentadas.

Uma dessas igrejas faz, inclusive, uma "corrente de oração" para empresários (como se os empresários fossem, numa sociedade desigual como a nossa, os mais necessitados de orações). A religião, neste caso, se vulgariza, se banaliza, torna-se mercado. Está muito visível, na cena da contemporaneidade, que o homem precisa de "algo mais" para sentir-se feliz. Mas, sob a influência de uma sociedade capaz de mercantilizar e imediatizar até mesmo possíveis "caminhos de cura", o homem pós-moderno fica sem alcançar esse "algo mais". A felicidade, quando aparece, não se dá de uma maneira plena, completa, mas sim de forma artificial.

Rafael Issa é graduando em Filosofia pela Universidade de São Paulo e formado em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo.

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