sexta-feira, 27 de agosto de 2010

O Banquete ( O amor na ótica de Platão)

Caros alunos do 3° ano do colégio CNSR, apesar de ser um pouco longo, este trecho do livro mostra-nos que Platão procura compreender o amor como desejo - de beleza, imortalidade, sabedoria - e tambem como um processo de elevação da alma que busca a perfeição.


É um tanto longo de explicar, disse ela; todavia, eu te direi. Quando nasceu Afrodite, banqueteavam-se os deuses, e entre os demais se encontrava também o filho de Prudência, Recurso. Depois que acabaram de jantar, veio para esmolar do festim a Pobreza, e ficou pela porta. Ora, Recurso, embriagado com o néctar - pois vinho ainda não havia - penetrou o jardim de Zeus e, pesado, adormeceu. Pobreza então, tramando em sua falta de recurso engendrar um filho de Recurso, deita-se ao seu lado e pronto concebe o Amor. Eis por que ficou companheiro e servo de Afrodite o Amor, gerado em seu natalício, ao mesmo tempo que por natureza amante do belo, porque também Afrodite é bela. E por ser filho o Amor de Recurso e de Pobreza foi esta a condição em que ele ficou. Primeiramente ele é sempre pobre, e longe está de ser delicado e belo, como a maioria imagina, mas é duro, seco, descalço e sem lar, sempre por terra e sem forro, deitando-se ao desabrigo, às portas e nos caminhos, porque tem a natureza da mãe, sempre convivendo com a precisão. Segundo o pai, porém, ele é insidioso com o que é belo e bom, e corajoso, decidido e enérgico, caçador terrível, sempre a tecer maquinações, ávido de sabedoria e cheio de recursos, a filosofar por toda a vida, terrível mago, feiticeiro, sofista: e nem imortal é a sua natureza nem mortal, e no mesmo dia ora ele germina e vive, quando enriquece; ora morre e de novo ressuscita, graças à natureza do pai; e o que consegue sempre lhe escapa, de modo que nem empobrece o Amor nem enriquece, assim como também está no meio da sabedoria e da ignorância. Eis com efeito o que se dá.

Nenhum deus filosofa ou deseja ser sábio - pois já é -, assim como se alguém mais é sábio, não filosofa. Nem também os ignorantes filosofam ou desejam ser sábios; pois é nisso mesmo que está o difícil da ignorância, no pensar, quem não é um homem distinto e gentil, nem inteligente, que lhe basta assim. Não deseja portanto quem não imagina ser deficiente naquilo que não pensa lhe ser preciso.

- Quais então, Diotima - perguntei-lhe - os que filosofam, se não são nem os sábios nem os ignorantes?

É o que é evidente desde já - respondeu-me - até a uma criança: são os que estão entre esses dois extremos, e um deles seria o Amor. Com efeito, uma das coisas mais belas é a sabedoria, e o Amor é amor pelo belo, de modo que é forçoso o Amor ser filósofo e, sendo filósofo, estar entre o sábio e o ignorante. E a causa dessa sua condição é a sua origem: pois é filho de um pai sábio e rico e de uma mãe que não é sábia, e pobre. É essa então, ó Sócrates, a natureza desse gênio; quanto ao que pensaste ser o Amor, não é nada de espantar o que tiveste. Pois pensaste, ao que me parece a tirar pelo que dizes, que Amor era o amado e não o amante; eis por que, segundo penso, parecia-te todo belo o Amor. E de fato o que é amável é que é realmente belo, delicado, perfeito e bem-aventurado; o amante, porém é outro o seu caráter, tal qual eu expliquei.

E eu lhe disse: - Muito bem, estrangeira! É belo o que dizes! Sendo porém tal a natureza do Amor, que proveito ele tem para os homens?

Eis o que depois disso - respondeu-me - tentarei ensinar-te. Tal é de fato a sua natureza e tal a sua origem; e é do que é belo, como dizes. Ora, se alguém nos perguntasse: Em que é que é amor do que é belo o Amor, ó Sócrates e Diotima? ou mais claramente: Ama o amante o que é belo; que é que ele ama? [ ...]

São esses então os casos de amor em que talvez, ó Sócrates, também tu pudesses ser iniciado; mas, quanto à sua perfeita contemplação, em vista da qual é que esses graus existem, quando se procede corretamente, não sei se serias capaz; em todo caso, eu te direi, continuou, e nenhum esforço pouparei; tenta então seguir-me se fores capaz: deve com efeito, começou ela, o que corretamente se encaminha a esse fim, começar quando jovem por dirigir-se aos belos corpos, e em primeiro lugar, se corretamente o dirige o seu dirigente, deve ele amar um só corpo e então gerar belos discursos; depois deve ele compreender que a beleza em qualquer corpo é irmã da que está em qualquer outro, e que, se se deve procurar o belo na forma, muita tolice seria não considerar uma só e a mesma a beleza em todos os corpos; e depois de entender isso, deve ele fazer-se amante de todos os belos corpos e largar esse amor violento de um só, após desprezá-lo e considerá-lo mesquinho; depois disso a beleza que está nas almas deve ele considerar mais preciosa que a do corpo, de modo que, mesmo se alguém de uma alma gentil tenha todavia um escasso encanto, contente-se ele, ame e se interesse, e produza e procure discursos tais que tornem melhores os jovens; para que então seja obrigado a contemplar o belo nos ofícios e nas leis, e a ver assim que todo ele tem um parentesco comum, e julgue enfim de pouca monta o belo no corpo; depois dos ofícios é para as ciências que é preciso transportá-lo, a fim de que veja também a beleza das ciências, e olhando para o belo já muito, sem mais amar como um doméstico a beleza individual de um criançola, de um homem ou de um só costume, não seja ele, nessa escravidão, miserável e um mesquinho discursador, mas voltado ao vasto oceano do belo e, contemplando-o, muitos discursos belos e magníficos ele produza, e reflexões, em inesgotável amor à sabedoria, até que aí robustecido e crescido contemple ele uma certa ciência, única, tal que o seu objeto é o belo seguinte.
Tenta agora, disse-me ela, prestar-me a máxima atenção possível. Aquele, pois, que até esse ponto tiver sido orientado para as coisas do amor, contemplando seguida e corretamente o que é belo, já chegando ao ápice dos graus do amor, súbito perceberá algo de maravilhosamente belo em sua natureza, aquilo mesmo, ó Sócrates, a que tendiam todas as penas anteriores, primeiramente sempre sendo, sem nascer nem perecer, sem crescer nem decrescer, e depois, não de um jeito belo e de outro feio, nem ora sim ora não, nem quanto a isso belo e quanto àquilo feio, nem aqui belo ali feio, como se a uns fosse belo e a outros feio; nem por outro lado aparecer-lhe-á o belo como um rosto ou mãos, nem como nada que o corpo tem consigo, nem como algum discurso ou alguma ciência, nem certamente como a existir em algo mais, como, por exemplo, em animal da terra ou do céu, ou em qualquer outra coisa; ao contrário, aparecer-lhe-á ele mesmo, por si mesmo, consigo mesmo, sendo sempre uniforme, enquanto tudo mais que é belo dele participa, de um modo tal que, enquanto nasce e perece tudo mais que é belo, em nada ele fica maior ou menor, nem nada sofre. Quando então alguém, subindo a partir do que aqui é belo, através do correto amor aos jovens, começa a contemplar aquele belo, quase que estaria a atingir o ponto final. Eis, com efeito, em que consiste o proceder corretamente nos caminhos do amor ou por outro se deixar conduzir: em começar do que aqui é belo e, em vista daquele belo, subir sempre, como que servindo-se de degraus, de um só para dois e de dois para todos os belos corpos, e dos belos corpos para os belos ofícios, e dos ofícios para as belas ciências até que das ciências acabe naquela ciência, que de nada mais é senão daquele próprio belo, e conheça enfim o que em si é belo. Nesse ponto da vida, meu caro Sócrates, continuou a estrangeira de Mantinéia, se é que em outro mais, poderia o homem viver, a contemplar o próprio belo. Se algum dia o vires, não é como ouro ou como roupa que ele te parecerá ser, ou como os belos jovens adolescentes, a cuja vista ficas agora aturdido e disposto, tu como outros muitos, contanto que vejam seus amados e sempre estejam com eles, a nem comer nem beber, se de algum modo fosse possível, mas a só contemplar e estar ao seu lado. 

Que pensamos então que aconteceria, disse ela, se a alguém ocorresse contemplar o próprio belo, nítido, puro, simples, e não repleto de carnes, humanas, de cores e outras muitas ninharias mortais, mas o próprio divino belo pudesse ele em sua forma única contemplar? Porventura pensas, disse, que é vida vã a de um homem a olhar naquela direção e aquele objeto, com aquilo com que deve, quando o contempla e com ele convive? Ou não consideras, disse ela, que somente então, quando vir o belo com aquilo com que este pode ser visto, ocorrer-lhe-á produzir não sombras de virtude, porque não é em sombra que estará tocando, mas reais virtudes, porque é no real que estará tocando?

Eis o que me dizia Diotima, ó Fedro e demais presentes, e do que estou convencido; e porque estou convencido, tento convencer também os outros de que para essa aquisição, um colaborador da natureza humana melhor que o Amor não se encontraria facilmente. Eis por que eu afirmo que deve todo homem honrar o Amor, e que eu próprio prezo o que lhe concerne e particularmente o cultivo, e aos outros exorto, e agora e sempre elogio o poder e a virilidade do Amor na medida em que sou capaz. Este discurso, ó Fedro, se queres, considera-o proferido como um elogio ao Amor; se não, o que quer que e como quer que te apraza chamá-lo, assim deves fazê-lo.

O homem é um animal político (Aristóteles)

Alunos do 2° ano do colégio CNSR, por favor, baixem este texto para que trabalharmos em sala de aula.

 
“É evidente que a cidade faz parte das coisas naturais, e que o homem é por natureza um animal político. E aquele que por natureza, e não simplesmente por acidente, se encontra fora da cidade ou é um ser degradado ou um ser acima dos homens, segundo Homero (Íliada IX,63) denuncia, tratando-se de alguém: sem linhagem, sem lei, sem lar.
Aquele que é naturalmente um marginal ama a guerra e pode ser comparado a uma peça fora do jogo. Daí a evidência de que o homem é um animal político mais ainda que as abelhas ou que qualquer outro animal gregário. Como dizemos frequentemente, a natureza não faz nada em vão; ora, o homem é o único entre os animais a ter linguagem [logos]. O simples som é uma indicação do prazer ou da dor estando, portanto, presente em outros animais, pois a natureza destes consiste em sentir o prazer e a dor e em expressá-los. Mas a linguagem tem como objetivo a manifestação do vantajoso, e portanto do justo e do injusto. Trata-se de uma característica do homem ser ele o único que tem o senso do bom e do mau, do justo e do injusto, bem como de outras noções deste tipo. É a associação dos que têm em comum essas noções que constitui a família e o Estado.”

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Apologia de Sócrates ( Alunos do 3° ano)


Apologia de Sócrates
(Alunos, perdoem minha falha, ao invés de fazerem uma interpretação do texto, respondam as questões abaixo para entrega na próxima aula!)

XXVI

Ora, é possível que alguém perguntasse: — Sócrates, não poderias viver longe da pátria, calado e em paz? Eis justamente o que é mais difícil fazer e aceitar a alguns dentre vós: Se digo que seria desobedecer ao Deus e que, por essa razão, eu não poderia ficar tranqüilo, não acreditaríeis em mim, supondo que
tal afirmação é, de minha parte, uma fingida ingenuidade. Se,ao contrário, digo que o maior bem para um homem é justamente este, falar todos os dias sobre a virtude e os outros argumentos sobre os quais me ouvistes raciocinar, examinando a mim mesmo e aos outros e, que uma vida sem esse exame não é digna de ser vivida, ainda menos acreditaríeis ouvindo-me dizer tais coisas. Entretanto, é assim, como digo, ó cidadãos, mas aqui não é fácil ser persuasivo.
E, por outro lado, não estou habituado a acreditar que seja digno de algum mal. De fato, se tivesse dinheiro, eu me multaria em uma soma que pudesse pagar, porque não teria prejuízo algum; mas o fato é que não tenho. Só se quiserdes multar-me em tanto quanto eu possa pagar. Talvez eu vos pudesse pagar uma mina de prata; multo-me, pois em tanto.
Mas Platão, cidadãos atenienses, Críton, Cristóbolo e Apolodoro me obrigam a multar-me em trinta minas, e oferecem fiança: multo-me, pois, em tanto, e eles vos serão fiadores dignos de crédito.

Terceira Parte
Sócrates se despede do tribunal

XXVII

Por não terdes querido esperar um pouco mais de tempo,atenienses, ireis obter, da parte dos que desejam lançar o opróbrio sobre a nossa cidade, a fama e a acusação de haverdes sido os assassinos de um sábio, de Sócrates. Porque, quem vos quiser desaprovar me chamará, sem dúvida, de sábio, embora eu não o seja. Pois bem, tivésseis esperado um pouco de tempo, a coisa seria resolvida por si: vós vedes, de fato, a minha idade. E digo isso não a vós todos, mas àqueles que me condenaram à morte. Digo, além disto, mais o seguinte a esses mesmos: É possível que tenhais acreditado, ó cidadãos, que eu tenha sido condenado por pobreza de raciocínios, com os quais eu poderia vos persuadir, se eu tivesse acreditado que era preciso dizer e fazer tudo para evitar a condenação. Mas não é assim. Caí por falta, não de raciocínios, mas de audácia e imprudência, e não por querer dizer-vos coisas tais que vos teriam sido gratíssimas de ouvir, choramingando, lamentando e fazendo e dizendo muitas outras coisas indignas, as quais, é certo, estais habituados a ouvir de outros.
Mas, nem mesmo agora, na hora deste grande perigo, eu faria nada de inconveniente, nem mesmo agora me arrependo de me ter defendido como o fiz; antes prefiro mesmo morrer, tendo-me defendido deste modo, a viver daquele outro.
Nem nos tribunais, nem no campo, nem a mim, nem a ninguém convém tentar todos os meios para fugir da morte. Até mesmo nas batalhas, de fato, é bastante evidente que se pode evitar morrer, jogando fora as armas e suplicando aos que perseguem; e muitos outros meios há, nos perigos
individuais, para evitar a morte quando se ousa dizer e fazer alguma coisa.
Mas, ó cidadãos, talvez o difícil não seja fugir da morte.
Bem mais difícil é fugir da maldade, que corre mais veloz que a morte. E agora eu, preguiçoso como sou, e velho, fui apanhado pela mais lenta, enquanto os meus acusadores, válidos e lépidos, foram apanhados pela mais veloz: a maldade.
Assim, eu me vejo condenado à morte por vós, condenados de verdade, que sois criminosos de improbidade e de injustiça. Eu estou dentro da minha pena, vós dentro da vossa.
E, talvez, essas coisas devessem acontecer mesmo assim. E creio que cada qual foi tratado adequadamente.

XVIII

Agora, pois, quero vaticinar-vos o que se seguirá, ó vós que me condenastes, porque já estou no ponto em que os homens podem vaticinar, quando estão para morrer: Digo-vos, de fato, ó cidadãos que me condenaram, que logo depois da minha morte virá uma vingança muito mais severa, por Zeus, do que aquela pela qual me tendes sacrificado. Fizestes isto acreditando subtrair-vos ao aborrecimento de terdes de dar conta da vossa vida, mas eu vos asseguro que tudo sairá ao contrário.
Em maior número serão os vossos censores, que eu até agora contive, e vós reparastes. E tanto mais vos atacarão quanto mais jovens forem e disso tereis maiores aborrecimentos.
Se acreditais, matando os homens, entreter alguns dos vossos críticos, não pensais bem; esse modo de vos livrardes, não é decerto eficaz nem belo, mas belíssimo e facílimo é não contrariar os outros, mas aplicar-se a se tornar, quanto se puder, melhor. Faço, pois, este vaticínio a vós que me condenastes. Chego ao fim.

XIX

Quanto àqueles cujos votos me absolveram, eu teria prazer de conversar com eles a respeito deste caso que acaba de ocorrer enquanto os magistrados estão ocupados, enquanto não chega o momento de ter de ir ao lugar onde terei de morrer. Ficai, pois, comigo este pouco de tempo, ó cidadãos, porque nada nos impede de conversarmos mais um pouco, enquanto se pode. É que a vós, como meus amigos, quero mostrar que não desejo falar do meu caso presente. A mim, de fato, ó juízes – uma vez que, chamando-vos juízes vos dou o nome que vos convém – aconteceu qualquer coisa de maravilhoso. Aquela minha voz habitual do demônio (daimon = gênio) em todos os tempos passados me era sempre freqüente e se oponha ainda mais nos pequeninos casos, cada vez que fosse para fazer alguma coisa que não estivesse muito bem. Ora, aconteceram-me estas coisas, que vós mesmos estais vendo e que, decerto, alguns julgariam e considerariam o extremo dos males; pois bem, o sinal do Deus não se me opôs, nem esta manhã, ao sair de casa, nem quando vim aqui, ao tribunal, nem durante todo o discurso. Em todo este processo,
não se opôs uma só vez, nem a um ato, nem a palavra alguma. Qual suponho que seja a causa? Eu vo-la direi: em verdade este meu caso pode ser um bem, e estamos longe de julgar retamente quando pensamos que a morte é um mal. E disso tenho uma grande prova: que, por muito menos, normalmente, o meu gênio se me teria oposto, se não fosse para fazer alguma coisa de bem. Passemos a considerar a questão em si mesma, de como há grande esperança de que isso seja um bem.
Porque morrer é uma ou outra destas duas coisas: ou o morto não tem absolutamente nenhuma existência, nenhuma consciência do que quer que seja, ou, como se diz, a morte é precisamente uma mudança de existência e, para a alma, uma migração deste lugar para um outro. Se, de fato, não há
sensação alguma, mas é como um sono, a morte seria um maravilhoso presente. Creio que, se alguém escolhesse a noite na qual tivesse dormido sem ter nenhum sonho, e comparasse essa noite às outras noites e dias de sua vida e tivesse de dizer quantos dias e noites na sua vida havia vivido melhor, e mais docemente do que naquela noite, creio que não somente qualquer indivíduo mas até um grande rei acharia fácil escolher a esse respeito, lamentando todos os outros dias e noites. Assim, se a morte é isso, eu por mim a considero um presente, porquanto, desse modo, todo o tempo se resume a uma única noite.
Se, ao contrário, a morte é como uma passagem deste para outro lugar, e, se é verdade o que se diz que lá se encontram todos os mortos, qual o bem que poderia existir, ó juízes, maior do que este? Porque, se chegarmos ao Hades,
libertando-nos destes que se vangloriam serem juízes, havemos de encontrar os verdadeiros juízes, os quais nos diria que fazem justiça acolá: Monos e Radamante, Éaco e Triptolemo, e tantos outros Deuses e semi-Deuses que foram justos na vida; seria então essa viagem uma viagem de se fazer pouco caso? Que preço não serieis capazes de pagar, para conversar com Orfeu, Museu, Hesíodo e Homero?
Quero morrer muitas vezes, se isso é verdade, pois para mim especialmente a conversação acolá seria maravilhosa quando eu encontrasse Palamedes e Ajax Telamônio, e qualquer um dos antigos, mortos por injusto julgamento. E não
seria sem deleite, me parece, confrontar o meu com os seus casos e, o que é melhor, passar o tempo examinando e confrontando os de lá com os de cá, os últimos dos quais tem a pretensão de conhecer a sabedoria dos outros, e acreditam ser sábios sem o ser. A que preço, ó juízes, não se consentiria em
examinar aquele que guiou o grande exército a Tróia, Ulisses, Sísifo, ou os incontáveis outros? Isso constituiria inefável felicidade.
Com certeza aqueles de lá são mais felizes do que os de cá, mesmo porque, são imortais, se é que o que se diz é verdade.

Questões referente ao texto:

1) Segundo Sócrates, qual o papel do filósofo?
2) Como podemos entender a firmação de Sócrates de que "a vida sem reflexão não vale a pena ser vivida"?

3) Como Sócrates responde as acusações que lhe são feitas?

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Poema "As duas vias" do filosofo Parmênides de Eléia.


Alunos do 1º ano, de início parecerá confuso o entendimento deste texto, mas em nossa próxima aula, veremos a forma que Parmênides escolhe para expor dua forma de pensamento de uma maneira mais clara, segue abaixo as questões referentes a este poema.

ACERCA DA NATUREZA

I

Éguas que me levam, a quanto lhes alcança o ímpeto, caval-
gavam,quando numes levaram-me a adentrar uma via loquaz,
que leva por toda cidade quem sabe à luz; por ela
era levado; pois por ela, mui hábeis éguas me levavam
puxando o carro, mas eram moças que dirigiam o caminho.

O eixo, porém, nos meões, impelia um toque de flauta
incandescendo (pois, de ambos os lados, duas rodas
giravam comprimindo-os) porquanto as filhas do sol
fustigassem a prosseguir e abandonar os domínios da Noite,
para a luz, arrancando da cabeça, com as mãos, os véus.

Lá ficam as portas dos caminhos da Noite e do Dia,
pórtico e umbral de pedra as mantém de ambos os lados,
mas, em grandiosos batentes, moldam-se elas, etéreas,
cujas chaves alternantes quem possui é Justiça rigorosa.

As moças, seduzindo com suaves palavras, persuadiram-na,
atenciosamente, a que lhes retirasse rapidamente
o ferrolho trancado das portas; estas, então, fizeram com que
o imenso vão dos batentes se escancarasse girando
os eixos de bronze alternadamente nos cilindros encaixados
com cavilhas e ferrolhos; as moças, então, pela via aberta
através das portas, mantém o carro e os cavalos em frente.

E a deusa, com boa vontade, acolheu-me, e em sua mão
minha mão direita tomou, desta maneira proferiu a palavra e me saudou:
Ó jovem acompanhado por aurigas imortais,
que, com cavalos, te levam ao alcance de nossa morada,
Salve! Porque nenhuma Partida ruim te enviou a trilhar este
caminho, à medida que é um caminho apartado dos homens,
mas sim Norma e Justiça. Mas é preciso que de tudo te
instruas: tanto do intrépido coração da Verdade persuasiva
quanto das opiniões de mortais em que não há fé verdadeira.
Contudo, também isto aprenderás: como as opiniões
precisavam manifestamente ser, elas que atravessam tudo através de tudo.

II

Pois bem, agora vou eu falar, e tu, prestes atenção ouvindo a [palavra
acerca das únicas vias de questionamento que são a pensar:
uma, para o que é e, como tal, não é para não ser,
é o caminho de Persuasão — pois segue pela Verdade —,
outra, para o que não é e, como tal, é preciso não ser,
esta via afirmo-te que é uma trilha inteiramente insondável;
pois nem ao menos se conheceria o não ente, pois não é
realizável , nem tampouco se o diria:

III

...pois o mesmo é a pensar e também ser.

IV

Vê como o ausente é, no entanto, presente firmemente em pensamento;
pois este não apartará o próprio ente do manter-se ente
nem se dispersando de toda forma todo pelo
mundo, nem se concentrando.

V

O Encontro, porém, é para mim,
de onde começarei; pois lá mesmo chegarei ainda outra vez.


VI

Precisa que o dizer o pensar o que é seja; pois há ser,
Mas nada não há; isto eu te exorto a indicar.
Pois [ ____ ] por esta primeira via de investigação,
Em seguida por aquela em que mortais que nada sabem
forjam, bicéfalos; pois despreparo guia em frente
em seus peitos um espírito errante; eles são levados,
tão surdos como cegos, estupefatos, hordas indecisas,
para os quais o existir e não ser valem o mesmo
e não o mesmo, de todos o caminho é de ida e volta.

VII

Pois isto não, nunca hás de domar não entes a serem;
Mas o que pensas, separa desta via de investigação;
Nem o hábito multitudinário ao longo desta via te force
A vagar o olhar sem escopo, e ressoar ouvido
E língua, mas discerne pela palavra a litigiosa contenda
Por mim proferida.


VIII

Ainda uma só palavra resta do caminho:
Que é; sobre este há bem muitos sinais:
Que sendo ingênito também é imperecível.
Solitário, íntegro como intrépido e sem meta;
Nem nunca era nem será, pois é todo junto agora,
Uno, continuo; pois que origem sua buscarias?
Por onde, de onde se distenderia? Não permitirei que tu
Digas nem penses que do não ente: pois não é dizível nem
pensável que seja enquanto não é. E que necessidade o teria
impelido, depois ou antes, a desabrochar começando do nada?
Assim, ou é necessário existir totalmente ou de modo algum.
Tampouco do ente, nunca força de fé permitirá
surgir algo para além do mesmo; por isso Justiça nem
deixa vir a ser nem sucumbir, afrouxando amarras,
mas mantém; a decisão sobre tais está nisto:
é ou não é. Mas já está decidido, por necessidade,
qual deixar como impensável e inominado – pois é um
caminho não verdadeiro – e qual há de ser, por existir e ser verídico.
Como existiria depois, o que é? Como teria surgido?
Pois se surgiu, não é, nem se há de ser algum dia.
Assim origem se apaga como o insondável ocaso.
Nem é divisível, pois é todo equivalente:
Nem algo maior lá que o impeça de ser contínuo,
Nem algo menor, mas é todo pleno do que é.
Por isso é todo contínuo: pois ente a ente acerca
Além disso, imóvel, nos limites de grandes amarras
Fica sem partida, sem parada, já que origem e ocaso
Muito longe se extraviaram, rechaçou-os fé verdadeira.
O mesmo no mesmo ficando, sobre si mesmo pousando
E assim, aí fica firme, pois poderosa Necessidade
Mantém nas amarras do limite, cercando-o por todos os lados,
Porque é norma o ente não ser inacabado.
Pois é não carente, não sendo, careceria de tudo.
O mesmo é o que é a pensar e o pensamento de que é.
Pois sem o ente, no qual está apalavrado,
não encontrarás o pensar. Pois nenhum outro nem é
nem será além do ente, pois que Partida já o prendeu
para ser todo imóvel; assim será nome, tudo
quanto os mortais instituíram persuadidos de ser verdadeiro,
surgir e também sucumbir, ser e também não,
e alterar de lugar e variar pela superfície aparente.


Questões para resolução e debate e sala de aula (Em caso de dúvidas, o que é natural, deixem as questões para serem respondidas após a explicação do professor)
1) Como Parmênides caracteriza o caminho da verdade por oposição ao caminho da opinião?

2) Qual o sentido da distinção entre realidade e aparência em Parmênides?

3) Comente o fragmento 3: "Pois pensar e ser é o mesmo."
 

 


 

 

 



O problema do Mal na ótica de Santo Agostinho

 Peço licença aos leitores deste blog para colocar alguns textos que meus alunos de ensino médio irão trabalhar em sala de aula, no entanto, é também uma forma de fomentar debates sobre um tema tão polêmico tratado por Agostinho sobre a existência do mal. 
Os comentários com dúvidas e sugestões serão muito bem vindos!


O problema do mal

“Vi claramente que todas as coisas boas podem, entretanto, se corromper e não se poderiam corromper se fossem sumamente boas, nem tampouco se não fossem boas. Se fossem absolutamente boas seriam incorruptíveis, e se não houvesse nada de bom nelas, não poderiam se corromper. Com efeito, a corrupção é nociva e se não reduzisse o bem não seria nociva. Portanto, ou a corrupção não prejudica em nada, o que não é admissível, ou todas as coisas que se corrompem são privadas de algum bem; quanto a isso não há dúvidas. Mas se fossem privadas de todo o bem, deixariam completamente de existir. Se existissem e não pudessem ser alteradas, seriam melhores porque permaneceriam incorruptíveis. O que seria mais monstruoso do que afirmar que as coisas se tornariam melhores ao perderem todo bem? Por isso, se privadas de todo o bem, deixariam totalmente de existir. Portanto, enquanto existem são boas, e o Mal que eu procurava não é uma substância, pois se fosse uma substância seria um bem. Na verdade, ou seria corruptível e, neste caso, a menos que fosse boa, não poderia se corromper. Percebi, portanto, e isto pareceu-me evidente, que criastes todas as coisas boas e não existe nenhuma substância que Vós não criastes. E porque não criastes todas as coisas iguais, todas as coisas individualmente são boas, e em conjunto são muito boas, pois Deus viu que tudo que havia feito era muito bom. (Gênesis, 1,31).” (Conf. VII, 12).

Questões para resolução e debate em sala:

1) Por meio de que argumento Santo Agostinho procura mostrar que o Mal pressupõe a existência do bem?

2) Como santo Agostinho define o Mal neste texto?

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Filosofia Patrística: seu início e desenvolvimento


Abordarei a partir deste post temas relacionados a Filosofia medieval, com o intuito de esclarecer e colaborar com aqueles que vêem neste blog uma fonte de pesquisa e informação.
O que se pode entender como patrística ou período patrístico?
Segundo Saranyana, em seu livro A Filosofia Medieval o período patrístico é caracterizado pelo “lapso de quase sete séculos compreendido entre a morte do último dos apóstolos de Jesus Cristo – ocorrida por volta do ano 100 de nossa era – e o começo da Idade Média.” (p. 25). Ainda segundo ele, o surgimento deste período está vinculado ás últimas manifestações da filosofia antiga, como o platonismo e o neo-platonismo e as primeiras manifestações filosóficas feitas por pensadores cristãos. Esta vinculação explica, portanto, as influências que tais pensadores principalmente Platão e Plotino, tinham sobre as filosofia de Santo Agostinho, por exemplo.

Entretanto, para que um pensador fosse considerado um “padre da Igreja”, isto é pertencente a filosofia praticada neste período, a Igreja católica se utilizou de quatro características essenciais para que um pensador cristão, na sua maioria sacerdotes, fosse considerado como tal. Tais características são:

  1. ortodoxia na doutrina católica: As reflexões elaboradas deveriam estar em conformidade com os principais dogmas católicos como: a presença real de Cristo na Eucaristia e a sua ressurreição.

  2. Santidade de vida: Tais pensadores, mesmo os que não fossem sacerdotes, além da importante reflexão devem, segundo a Igreja, não ter contraído o matrimônio.

  3. Reconhecimento ou aprovação por parte da Igreja Católica;

  4. Antiguidade.
O período patrístico, segundo Saranyana, é dividido em três partes:
a) do início do séc. II até o Concílio Ecumênico de Nicéia (ano 325)
Porque esta primeira parte do período patrístico encerra-se com este concílio? Trataremos, primeiramente, o porque de sua convocação e suas conseqüências. Um concílio é convocado para reafirmar a unidade do ensinamento da Igreja em todo o mundo e, combater doutrinas que surgem e que aparentemente, isto é sem um estudo aprofundado, tenham semelhança doutrinária.
O concílio de Nicéia teve como objetivo combater a doutrina do arianismo – que será abordado posteriormente neste blog – espalhadas pelo presbítero Ário onde afirmava que Cristo não seria “estritamente humano nem estritamente divino” (Saranyana, p. 60). Este concílio foi convocado pelo Imperador Constantino o que não invalida o mesmo, pois, um concílio que reúne-se para reafirmar a fé passada pelo apóstolos através da tradição, e que estabelece dogmas só é aprovado após a aprovação papal.
Imagem representando o concílio de Nicéia, importante notar que ao centro não se encontra o papa, mas a imagem do Imperador Constantino que convocou o concílio. Como dito anteriormente, o fato de ser convocado pelo Imperador em nada altera a autoridade dogmática do mesmo, pois este só é válido após a autorização do Papa.

Antes deste concílio tais idéias espalhadas pelo presbítero Ário não tinham tanta força e influência, assim a convocação do concílio pelo Imperador Constantino deve-se ao fato de que as idéias arianas estavam distorcendo a imagem de Jesus Cristo perante os Cristãos, principalmente os recém convertidos. Este concílio portanto, inicia uma nova etapa dentro da filosofia patrística pois, com a promulgação do dogma da consubstancialidade do Pai e do Filho, foi a partir desta confirmação e das batalhas coma arianismo, que muitos pensadores contribuíram – e muito - para o pensamento cristão filosófico da época.
No próximo post, refletiremos sobre a etapa intermediária do período patrístico, que inicia-se com o concílio de Nicéia e termina com a queda do Império Romano do Ocidente em 476. Falaremos dos principais pensadores deste período e sobre a queda do Império, com suas causas e consequências.


quarta-feira, 14 de julho de 2010

A Doutrina Cristã - Comentário sobre o prólogo da obra de S. Agostinho


A intenção de Agostinho na obra acima é determinar normas para a correta interpretação das Escrituras. Entretanto, tais normas não serão bem compreendidas por todos, isto é, somente os que desejam realmente compreender os Livros Sagrados e progredir espiritualmente através desta compreensão é que terão êxito neste caminho. Haverá, no decurso deste caminho aqueles que, ao contrário dos bem sucedidos, não conseguirão compreender tais normas determinadas pelo Bispo de Hipona e que certamente irão, como ele mesmo destaca, “contestar” tais normas e consequentemente tecer críticas ao trabalho de Agostinho. No entanto, antes de verificarmos a resposta de Agostinho as críticas, procurarei destacar o fundamento que a própria Escritura fornece ao nosso autor para este estabelecer normas para se compreendê-la corretamente.
Encontramos o fundamento de Agostinho na segunda carta de S.Pedro, onde ele afirma: “Deveis saber isto antes de tudo: nenhuma profecia é assunto de interpretação pessoal (grifo meu), porque de uma vontade humana jamais veio uma profecia, mas, sim, homens movidos pelo Espírito Santo é que falaram da parte de Deus.” (II Pd 1, 20-21).
Sendo assim quem deve interpretar as Escrituras?
Aqueles que foram escolhidos por Jesus Cristo para divulgar suas palavras ao mundo inteiro: em primeiro lugar os doze apóstolos e, através da imposição de mãos destes mesmos se tornariam também apóstolos de Cristo – Padres e Bispos – dentre eles o próprio Agostinho.
São três os possíveis contestadores do trabalho de Agostinho:
a) Os que não entendem: A estes Agostinho nada pode fazer, restando-lhes apenas pedir a Deus que lhes “ilumine” (alusão a sua doutrina da iluminação) pois, segundo ele o entendimento de tais conhecimentos só são possíveis através da misericórdia divina.
O que seria, no entanto, a doutrina da iluminação agostiniana?
Em sua obra Solilóquios, Agostinho define qual é a luz que ilumina o pensamento do homem(I VI,12). Podemos afirmar que primeiramente esta doutrina afirma que da mesma maneira que o olho, para enxergar os corpos necessita da luz; o pensamento para encontrar a verdade necessita também de uma luz. Entretanto, da mesma forma que a luz do sol permite enxergar os corpos, Deus é a fonte da luz que permite ao pensamento encontrar a verdade. Agostinho formula tal doutrina baseado nas idéias platônicas, onde a idéia do bem ilumina todas as idéias inteligíveis. Além disso, Agostinho aproveita de tal doutrina platônica que tal luz é o princípio de tudo e causa da existência de todas as coisas e juntamente com a inspiração divina do Evangelho de S. João, cria sua doutrina estabelecendo que Deus é a fonte de todo conhecimento.
Dessa forma, a doutrina da iluminação separa o que é inteligível por si e que ilumina a tudo e o que é iluminado e inteligível por outro. (Solilóquios I,8,15). Tal doutrina é uma metáfora, onde ele a utiliza para demonstrar que Deus é essencialmente e verdadeiramente a luz que ilumina a tudo e todos; o sol e sua luz são demonstrados em sentido figurado, porém não transmitem e nem possuem o que seja verdadeiramente a luz. Segundo Gilson a dificuldade desta doutrina é definir o que compete a Deus e ao homem no ato do conhecimento (GILSON, 164). O homem, ainda segundo ele, de acordo com esta doutrina possui um intelecto independente de Deus, ou seja, Agostinho faz questão de separar o intelecto de Deus do intelecto humano que é iluminado pelo intelecto divino. Definidos assim o que seja um e outro, tal dificuldade encontra-se superada.
 O pensamento humano é caracterizado por Gilson como luz natural (GILSON, 166), definição não dada por Agostinho porém não distorce seu pensamento. Essa luz recebe outra luz maior mostrando que a verdade não é fruto de algo sobrenatural, pelo contrário, ela é uma característica do intelecto humano, único capaz de receber tal iluminação. Nosso intelecto e sua luz natural em nada se misturam com a ordem sobrenatural, todas elas foram criadas por Deus, portanto, estes agem de acordo com a natureza humana. A ação da iluminação é, para Gilson, de justamente ajudar o intelecto a pensar a verdade, uma iluminação presente a todos os homens em qualquer momento.
b) Os que entenderam, mas ao aplicar o conhecimento não conseguem desvendar as obscuridades das Escrituras: Estes irão considerar o trabalho de Agostinho ineficaz e sem valor e o que é pior, irão afirmar a outros que tal empresa de Agostinho não irá servir a ninguém.
c) “Os iluminados”, ou seja, aqueles que acreditam que receberam o dom de Deus para interpretar as Escrituras sem seguir as normas que Agostinho irá determinar: A estes que se julgam “escolhidos por Deus”, e portanto, consideram as normas agostinianas supérfluas, Agostinho faz questão de destacar que por mais “especiais” que sejam, tiveram em alguma parte da vida que aprender pelo menos o alfabeto, isto é, seja qual for o dom recebido jamais deve-se esquecer que não se faz nada sozinho ou sem a ajuda de outros. A resposta de Agostinho baseia-se em três fatos onde homens importantes e de valor, ainda assim eram necessitados de instrução para que pudessem colocar seus dons a serviço.
Assim, vemos que S. Agostinho possui consigo uma autoridade que não foi usurpada nem tão pouco auto-atribuída , mas sim, designada pelo próprio Cristo por meio de seus apóstolos.
Logo em seguida Agostinho trata do valor da mediação humana, por perceber que muitos dos que se auto-intitulavam “inspirados” por Deus para interpretar as Escrituras não aceitavam qualquer tipo de instrução humana. Desta forma, Agostinho ressalta a importância do homem no projeto de Deus para o mundo, destacando – mais uma vez – exemplos retirados das próprias Escrituras como a conversão de Paulo (At 9,3-7) e a instrução de Pedro a Cornélio (At 10,1-48)para ratificar aquilo que a Escritura ensina que o “O templo de Deus é santo e esse templo sois vós” (1 Cor 3,17), ou seja, se o corpo do homem é o templo do Espírito Santo (1 Cor 6,19) este não pode – e nem deve - ser apenas um coadjuvante na história da Salvação do homem por Deus, mas sim que Deus torna-o também protagonista neste papel.
A humildade, portanto, deve ser uma característica de todo aquele que examina as Escrituras, pois, da mesma forma como ensina a outros que não compreendem, ele também é ensinado, por mais “iluminado” que seja em algum momento de sua vida, não sendo possível uma auto erudição.

 







quarta-feira, 9 de junho de 2010

O que estamos fazendo?

Raramente fazemos este tipo de pergunta a nós mesmos, um dos vários motivos para que isso aconteça pode estar no enorme orgulho humano de achar que está sempre fazendo a coisa certa. Costuma-se fazer este tipo de pergunta ao outro, aquele que vemos que está “errado”, que certamente irá se dar mal ao final de uma ação qualquer. Enfim, a pergunta continua no ar: o que estamos fazendo?
Hannah Arendt, no prólogo de seu livro A condição humana1, pretende fornecer uma das muitas respostas a esta pergunta, que apesar de simples em sua formulação a resposta para ela não é – e nunca foi!!!! - algo tão fácil de se responder. Contudo, se ela não se sentiu capaz de fornecer uma resposta cabal a esta pergunta tão complexa em seu livro eu também não responderei, porém não posso negar o convite de refletir sobre ela e, principalmente sobre o caminho que a autora percorreu em seu valioso prólogo até chegar a esta pergunta.
Segundo Arendt, o envio de um satélite2 e a sua permanência na órbita da terra durante alguns dias foi fundamento que o homem precisava para que, em um futuro distante, pudesse viver fora deste planeta. Entretanto, esta conclusão deveria estar em último plano, pois havia outras coisas mais importantes para se comemorar, como por exemplo, o estágio tecnológico avançado sobre o qual o homem havia chegado, destacando assim a força criadora do homem. Ela destaca ainda que desde Platão, que afirmara que o corpo humano é a prisão da alma impedindo-o de contemplar o mundo das idéias, o homem traz consigo esta idéia de libertar-se deste mundo.
O grande problema para o homem é que este mundo e suas características é, deveras, singular em toda a galáxia. Nenhum outro planeta oferece as condições necessárias de sobrevivência que um ser humano necessita para viver. A pergunta é: Porque então abandoná-lo? Para que? Seria porque o homem quer sempre evoluir, dar um passo além, ultrapassar a si mesmo repetindo ainda que de forma distante, a história bíblica do pecado de Adão e Eva que foram expulsos do paraíso por comerem o fruto proibido, atraídos pelo discurso da serpente que dizia: “ ... no dia em que dele comerdes, vossos olhos se abrirão, e sereis como deuses (grifo meu), conhecedores do bem e do mal.” (Gen 3,5)
Qual seria a causa do pecado original: a fala da serpente, que seduziu Adão e Eva ou a falta de  reflexão?



A pergunta que me surge é a seguinte: Em que mundo viveríamos se Eva refletisse antes de comer a maçã? Da mesma forma, qual seria o destino dos homens se Adão tivesse refletido e negado quando lhe foi oferecida a fruta? Pode-se perceber que, vivemos uma época em que todos pedem incessantemente um mundo melhor, onde não exista violência e conseqüentemente tenha paz; porém enquanto muitos pensam nas mais variadas formas, é no exercício da reflexão que poderemos mudar o mundo. Fazendo com que esta prática seja constante desde as primeiras séries até a conclusão do ensino médio.
O problema é que a reflexão é um perigo para aqueles que governam o país; imaginem se todos os brasileiros refletissem antes de votar, ao invés de uma pequena parte. E por mais que pareça absurdo o que digo, os resultados estão aí para provar: será que quem votou em Clodovil (que Deus o tenha!), Frank Aguiar, Netinho de Paula, Paulinho da força, entre outros que da até arrepio lembrar, será que houve reflexão nestes votos? Algum leitor pode me contestar se me disser qual projeto estes os quais citei foi levado para votação, projeto esse útil ao povo? A política une-se de certo modo ao avanço científico, que torna os homem “deus”, dando a ele a esperança de um dia fixar morada fora deste mundo que é, segundo Arendt “a própria quintessência da condição humana” (ARENDT, 10). Afinal, este mundo está sendo tomado pelas máquinas, que facilitam a vida dos seres humanos, mas por outro lado, danificam e poluem a natureza. Qual o benefício? Pode ser este, enfim, o motivo, previsto pela autora que impele o homem a preferir viver de forma artificial em outro planeta a viver neste de forma natural: a degradação do planeta. Este é o preço a ser pago por tamanha evolução, onde máquinas substituem humanos com suas linguagens cada vez mais complicadas e obscuras, reservadas a poucos, transformando o homem em “criaturas desprovidas de raciocínio, a mercê de qualquer engenhoca tecnicamente possível...” (ARENDT,11).
O que estamos fazendo? Será que os países que enriquecem o urânio refletem sobre isso? Parece que não, e o pior de tudo é que a falta de reflexão deste, faz com que os outros países fiquem em alerta, preparados sempre para o pior. Arendt, lembra que esta mesma política conciliadora que procura acalmar os ânimos dos países envolvidos no enriquecimento de urânio, são os mesmos que o utilizaram em prol da destruição que agora eles querem evitar. Arendt (pg.12), destaca que os cientistas não refletiram que ao criar a fórmula para sua criação, esqueceram que eles seriam os últimos a serem consultados sobre a forma que ela deveria ser utilizada.
E é por isso que a ciência precisa da filosofia, muito mais do que a filosofia precise da ciência. E mais, chego a conclusão de que uma reflexão pode ser capaz de salvar uma vida.
Quer salvar uma? Comece agora, refletindo sobre esta pergunta: o que você está fazendo?
1 - Ed. Forense Universitária. 10° Ed. Rio de Janeiro
2 - Ela se refere ao lançamento do satélite SPUTNIK, em 4 de outubro de 1957 pela União Soviética.


segunda-feira, 10 de maio de 2010

A solidão de Friedrich Nietzsche


Não é fácil estar solitário, seja qual for o tipo de solidão em que se encontre ela sempre nos coloca contra nós mesmos. Pois, ninguém fica sozinho por punição a si próprio, mas por uma escolha; escolha essa que deverá defender, pois esta opção o torna feliz. Porém, dentre as várias formas de solidão existentes para se discutir, uma delas chamou-me a atenção ao ler a obra “Humano, demasiado humano” de Friedrich Nietzsche. É a solidão intelectual, ou seja, defender uma idéia seja ela qual for não é uma tarefa fácil, principalmente em um mundo como o nosso que se habituou a aceitar as coisas como são, sem discuti-las ou questioná-las. O prefácio desta brilhante obra traz este sentimento que Nietzsche sentiu na pele, sentimento este que irei discorrer para que quem ainda não leu possa sentir-se convidado a também procurar entender o que ele quer nos dizer. É claro que é apenas uma tentativa, mas que não deixa se ser séria e atenta. Os erros que por acaso surgirem, aceito apontamentos.

Nietzsche inicia o prefácio de sua obra destacando a grande repercussão que seus escritos produziram, escritos esses que eram caracterizados por clamarem por uma mudança de um pensamento “humano, demasiado humano” que pairava sobre a época. Entretanto, pensar de uma forma diferente tinha um preço: a solidão. Afinal, estes o colocavam – como Nietzsche mesmo afirma – como um “inimigo de Deus”; como então resolver tal problema? Encontrando pessoas com pensamentos semelhantes, compartilhando desta forma o peso que a solidão imprime aqueles que ousam ir contra o pensamento dominante, carregado de valores que sufocam os homens.

O que poderia ser o “combustível” que alimenta este pensamento nietzschiano, mesmo se este estiver enganado sobre si mesmo? A vida. Ela, como destaca Nietzsche, requer ilusão para subsistir enquanto vida, pode-se concluir que para ele, uma vida que não almeja nada, que não quer nada e aceita tudo como se apresenta não pode ser considerada como vida.

Deve ser por este motivo que sua obra é dedicada a aqueles que ele caracteriza como “espíritos livres”, espíritos esses que até então são uma invenção do próprio Nietzsche no sentido de que, por não encontrar pessoas que compartilhem de seu pensamento é isolado da grande maioria da sociedade e refugia-se com estes espíritos que substituem – segundo ele – “os amigos que lhe fazem falta” (p. 21). Torna-se necessário para a Europa de amanhã, de acordo com Nietzsche, o surgimento muito maior destes espíritos livres para que estes não se sintam isolados como ele mesmo sentiu-se em seu contexto. Entre as características destes espíritos estão: a ousadia, a alegria e – a mais importante delas – a existência, diferentemente do “espectro” que é a característica do espírito que acompanha Nietzsche.


Mas, como e em que momento estes espíritos tão desejados por Nietzsche possam surgir? Segundo ele, para que um espírito se torne livre é necessário que este esteja maduro, ou seja, não é de uma forma simples que um espírito qualquer possa tornar-se livre por sua própria vontade, essa liberdade vem através daquilo que Nietzsche denomina como a “grande liberação” (p.22); sua chegada acontece quando menos se espera, entretanto, quando ela chega pode-se perceber a sua presença, pois, ela transforma o homem de uma maneira radical. A partir desta liberação o homem não possui mais em si o desejo de voltar, de olhar para trás, pelo contrário, tal liberação preenche o homem de forma que este somente preocupa-se em desvendar e conhecer a fundo este mundo até então desconhecido para ele. E que mundo seria este? Este mundo novo do qual ele agora conhece é totalmente o oposto daquilo que ele até agora conhecera, tudo o que ele amava neste mundo não importa mais, chegando a ponto de ser vergonhoso para ele ter feito parte deste mundo que agora despreza. A saída deste mundo é, segundo Nietzsche, uma vitória, não se sabe contra quem, mas, o simples abandono deste mundo mostra que esta vitória não deve ser desprezada. Por que?

Porque, a partir desta liberação o homem não mais é determinado pelo exterior que continuamente o condiciona, mas sim, ele agora é que irá se auto-determinar, dominará em vez de ser dominado e decidirá os valores que irá seguir, sem dogmas ou leis impostas de fora, mas sim criados exclusivamente por ele. Os valores, neste ponto, perdem suas características até então determinadas pela história, o bem e o mal agora serão determinados por cada homem que liberta-se da dominação e que agora torna-se livre. Em suma o homem é, segundo Nietzsche, “senhor de si e de suas próprias atitudes” (p.25).




domingo, 31 de janeiro de 2010

José Serra X APEOESP: Ponto para o Governador (infelizmente!!)


Até que ponto um sindicato deve ir em busca dos interesses de seus associados?

Qual é a verdadeira missão de um sindicato?

Ainda que eu, um professor recém-formado, não tenha ainda muito que falar sobre a história de luta entre os professores e o Estado por melhores condições de trabalho e salário – lutas essas que perduram e que parecem não ter fim – não poderia deixar de diagnosticar uma falha (se é que, com a minha pequenez, seja capaz disso!) até certo ponto grave do sindicato dos professores, a APEOESP, no que diz respeito à avaliação dos professores feita pelo Estado para o cargo de professor temporário.

De início, a prova tinha um caráter classificatório, isto é, o governo do Estado de São Paulo estipulou uma pontuação mínima dos professores que almejam este cargo no ano de 2010.



Logo de início a APEOESP, se colocou contra esta posição do governo em classificar os professores pelo seu conhecimento, só não consigo entender o porquê....



No site do sindicato, o “fax urgente nº1” , de 11/01/2010 (http://apeoespsub.org.br/fax_urgente_2009/frame09.html), o sindicato conclama os professores a se reunirem para barrar o caráter eliminatório do provão, alegando dois motivos:

- A falta de tempo para uma bibliografia extensa;

- e a possível anulação ou que a mesma prova tenha caráter classificatório.

E justamente neste ponto encontra-se uma dúvida que em mim não se desfaz: qual é na realidade o objetivo do sindicato? Pois em um primeiro momento a prova é injusta pela sua bibliografia, porém, se o caráter da mesma prova tornar-se classificatório a bibliografia já não se torna um problema, mas sim uma solução.

De antemão gostaria de deixar claro que, não defendo aqui um lado ou outro e sim, procuro entender o que é melhor para nós professores e acima de tudo os alunos, nos quais não se tem pensado e logo direi o porquê.

Desta forma, em minha simples opinião, a APEOESP enquanto sindicato falhou e pior do que isto deu a resposta que o Governo do estado de São Paulo queria, sabia, mas não gostaria de dizer isso por si mesmo através do seu secretário de educação, Paulo Renato e sim por meio da uma prova eliminatória. Mas como?

A insistência pela anulação da prova por parte do sindicato alegando um direito a todos por emprego não se fundamenta por que não estamos lidando com uma matéria prima qualquer, mas sim lidando com o futuro do estado e logo do país: os alunos. E para que este futuro beneficie a todos – inclusive a nós professores – faz-se necessário professores bem preparados, bem pagos e principalmente entusiasmados com sua profissão, mesmo ela apresentando todos os seus perigos e dificuldades; afinal, vemos e vimos já a algum tempo o quanto os professores vêem sofrendo com a rebeldia dos alunos, pelo menos é o que se diz....

E por que afirmo isso?

Porque a APEOESP conseguiu o que tanto queria, conseguiu que a prova antes eliminatória fosse classificatória, e o principal: o governo aceitou, sem problemas, nem discussões, sem greves, adivinhem o motivo? Eles receberam a resposta desejada, pois viram a quantidade de professores que tiveram um desempenho pífio nesta prova e só conseguiram o tão sonhado “cargo” com os pontos – que não consigo entender a forma de contar tais pontos – que os professores obtêm com o tempo de serviço.



Quem ganhou esta briga? Estado e professores. O Estado porque percebeu a incapacidade dos professores (é claro que não são todos) que estão em seu quadro e descobriu onde se encontra a fonte do problema: a falta de conhecimento dos mesmos. O professores ganharam, principalmente os que não conseguiram um bom desempenho na prova outrora eliminatória e que agora possuem um rendimento a mais.



Quem perdeu esta briga? Estado, professores e alunos.

O Estado porque percebe que têm muita coisa a fazer se tiver realmente como objetivo mudar para melhor o ensino dentro do Estado de São Paulo abandonado por este mesmo governo – e é bom que isto seja destacado – nesta dinastia do PSDB em São Paulo.

Os professores porque possuem agora uma categoria enfraquecida e principalmente desmoralizada perante a sociedade que têm nos professores uma saída para o futuro de seus filhos. Não deixando de deixar também registrado que muitos professores que ultrapassaram a meta dos quarenta pontos exigidos na prova outrora eliminatória e que agora sendo classificatória, muitos serão prejudicados pelo fato de que aqueles que não estariam classificados agora estão e o pior de tudo, ocupando o lugar de um colega com conhecimento e vontade de trabalhar.

Os alunos, estes sim os maiores perdedores, pois terão um ano difícil, bem difícil.....



O que tem a ver este assunto com filosofia?

Tudo...

Pois eu me pergunto: no âmbito moral, foi correta a atitude do sindicato?

Creio que não, foi sim um moralismo...

A moral enquanto atitude individual de cada pessoa, de acordo com a moral kantiana, que preza uma atitude com âmbito universal certamente não existiu, o que existiu foi um moralismo, isto é, o julgamento do que se deveria fazer pelos outros, como afirma André Comte-Sponville:


“O que devo fazer?e não: “ O que os outros devem fazer?É o que distingue a moral do moralismo. (Apresentação da Filosofia, p.20).