Não é fácil estar solitário, seja qual for o tipo de solidão em que se encontre ela sempre nos coloca contra nós mesmos. Pois, ninguém fica sozinho por punição a si próprio, mas por uma escolha; escolha essa que deverá defender, pois esta opção o torna feliz. Porém, dentre as várias formas de solidão existentes para se discutir, uma delas chamou-me a atenção ao ler a obra “Humano, demasiado humano” de Friedrich Nietzsche. É a solidão intelectual, ou seja, defender uma idéia seja ela qual for não é uma tarefa fácil, principalmente em um mundo como o nosso que se habituou a aceitar as coisas como são, sem discuti-las ou questioná-las. O prefácio desta brilhante obra traz este sentimento que Nietzsche sentiu na pele, sentimento este que irei discorrer para que quem ainda não leu possa sentir-se convidado a também procurar entender o que ele quer nos dizer. É claro que é apenas uma tentativa, mas que não deixa se ser séria e atenta. Os erros que por acaso surgirem, aceito apontamentos.
Nietzsche inicia o prefácio de sua obra destacando a grande repercussão que seus escritos produziram, escritos esses que eram caracterizados por clamarem por uma mudança de um pensamento “humano, demasiado humano” que pairava sobre a época. Entretanto, pensar de uma forma diferente tinha um preço: a solidão. Afinal, estes o colocavam – como Nietzsche mesmo afirma – como um “inimigo de Deus”; como então resolver tal problema? Encontrando pessoas com pensamentos semelhantes, compartilhando desta forma o peso que a solidão imprime aqueles que ousam ir contra o pensamento dominante, carregado de valores que sufocam os homens.
O que poderia ser o “combustível” que alimenta este pensamento nietzschiano, mesmo se este estiver enganado sobre si mesmo? A vida. Ela, como destaca Nietzsche, requer ilusão para subsistir enquanto vida, pode-se concluir que para ele, uma vida que não almeja nada, que não quer nada e aceita tudo como se apresenta não pode ser considerada como vida.
Deve ser por este motivo que sua obra é dedicada a aqueles que ele caracteriza como “espíritos livres”, espíritos esses que até então são uma invenção do próprio Nietzsche no sentido de que, por não encontrar pessoas que compartilhem de seu pensamento é isolado da grande maioria da sociedade e refugia-se com estes espíritos que substituem – segundo ele – “os amigos que lhe fazem falta” (p. 21). Torna-se necessário para a Europa de amanhã, de acordo com Nietzsche, o surgimento muito maior destes espíritos livres para que estes não se sintam isolados como ele mesmo sentiu-se em seu contexto. Entre as características destes espíritos estão: a ousadia, a alegria e – a mais importante delas – a existência, diferentemente do “espectro” que é a característica do espírito que acompanha Nietzsche.
Mas, como e em que momento estes espíritos tão desejados por Nietzsche possam surgir? Segundo ele, para que um espírito se torne livre é necessário que este esteja maduro, ou seja, não é de uma forma simples que um espírito qualquer possa tornar-se livre por sua própria vontade, essa liberdade vem através daquilo que Nietzsche denomina como a “grande liberação” (p.22); sua chegada acontece quando menos se espera, entretanto, quando ela chega pode-se perceber a sua presença, pois, ela transforma o homem de uma maneira radical. A partir desta liberação o homem não possui mais em si o desejo de voltar, de olhar para trás, pelo contrário, tal liberação preenche o homem de forma que este somente preocupa-se em desvendar e conhecer a fundo este mundo até então desconhecido para ele. E que mundo seria este? Este mundo novo do qual ele agora conhece é totalmente o oposto daquilo que ele até agora conhecera, tudo o que ele amava neste mundo não importa mais, chegando a ponto de ser vergonhoso para ele ter feito parte deste mundo que agora despreza. A saída deste mundo é, segundo Nietzsche, uma vitória, não se sabe contra quem, mas, o simples abandono deste mundo mostra que esta vitória não deve ser desprezada. Por que?
Porque, a partir desta liberação o homem não mais é determinado pelo exterior que continuamente o condiciona, mas sim, ele agora é que irá se auto-determinar, dominará em vez de ser dominado e decidirá os valores que irá seguir, sem dogmas ou leis impostas de fora, mas sim criados exclusivamente por ele. Os valores, neste ponto, perdem suas características até então determinadas pela história, o bem e o mal agora serão determinados por cada homem que liberta-se da dominação e que agora torna-se livre. Em suma o homem é, segundo Nietzsche, “senhor de si e de suas próprias atitudes” (p.25).
A solidão sempre esteve presente na biografia de Nietzsche, e também muitas vezes se tornou tema de sua filosia. É nas montanhas que Zaratustra se refugia. "toda companhia é má,exceto a de nossos iguais", dizia ele. A solidão é um elemento que se tornou característica desse admirador de Schopenhauer: “na solidão, o solitário se devora a si mesmo; na multidão, devoram-no inúmeros. Então, escolhe”. Vive intensamente aquilo que o cristianismo condena, e prega uma nova moral para o homem; por ter uma influência nos moldes iluministas, Nietzsche acredita piamente no futuro de uma nova humanidade, construiu isso com base na mesma fé que ele condenava.
ResponderExcluirGostei do texto e do blog, já está nos favoritos. Até mais,
Antonio Abreu.
A solidão dói, e dói muito. Ser um espírito livre faz com que "os outros" (descritos por Sartre)se afastem e vejam o tal espírito livre como algo maléfico e assustador. A única alegria nessa solidão é, algumas vezes, muitos raras, encontram um espírito jovem que certamente será livre um dia e poder discutir calorosamente as próprias convicções que a partir dessas discussões se fortalecem ou se modificam à luz de novos pensamentos. Obrigada pelas palavras de hoje.
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