domingo, 10 de julho de 2011

Relação entre poesia e verdade na visão de Marcel Detienne

Marcel Detienne, historiador belga com forte influência
antropológica.
A relação entre poesia e verdade na visão de Detienne é, a princípio, esclarecedora na medida em que,   segundo ele, a poesia se auto-afirma enquanto verdade quanto esta é "sustentada" pela autoridade das musas que são aquelas que retransmitem as palavras ditas pelos deuses aos homens. Entretanto, antes de esclarecer melhor esta relação colocada pelo autor, faz-se necessário compreender o que significa e, principalmente, a importância do conceito "verdade", em outras palavras, o que os gregos entendiam como verdade? Após esta compreensão, deve-se também esclarecer o fundamento sobre o qual  verdade se assenta, fundamento esse representado pela tríade: poeta-musas-memória.
Primeiramente devemos destacar que, segundo Detienne, a ideia de verdade contemporânea é "...inseparável das idéias de demonstração, verificação e experimentação." ¹. Nota-se que o caminho para se chegar ao conceito de verdade para os gregos devemos - necessariamente - nos afastar do conceito moderno de verdade que possui estas três características apontadas pelo autor. Para ele, os primeiros a procurar estabelecer o que seja a verdade são os filósofos Parmênides, Platão e Aristóteles quando estes se separam da influência mítica. Inicialmente, o conceito verdade é compreendido como "desvelamento" de uma obscuridade provocada justamente pelo mito; a verdade caracteriza-se como Alétheia.
Convém destacar que, este conceito de verdade enquanto Alétheia, está intimamente ligado a uma concepção religiosa. O poema de Parmênides intitulado "As Duas Vias", as musas conduzem o filósofo a um caminho que, se percorrido, irá ser-lhe revelado o conhecimento verdadeiro. Este período é caracterizado, segundo o autor, como uma "Pré-história da alétheia filosófica"², período esse que dá início ao desenvolvimento deste conceito de alétheia para um produto da razão.
Entretanto, esta "pré-história" não deve ser concebida como um período "sombrio" ou "inexpressivo". Esta "pré-história" encontra-se em um contexto em que a tradição oral era a única fonte de transmissão de qualquer verdade. Logo, a importância dos poetas não pode - nem deve - ser diminuída ou desprezada, pois suas palavras, segundo Detienne "... é solidária a duas noções complementares: a Musa e a Memória"³ . São elas, as Musas, que acabam reforçando a importância do poeta, pois, enquanto "palavra cantada", fazem  com que os poetas possam transmitir as glórias do passado, a música e a dança, sendo que estas duas últimas são aquelas que trazem vida a poesia.
São as Musas que, como educadoras, ensinam e mostram as principais características que deve possuir um poema: disciplina, improvisação, concentração e, principalmente, a sedução que irá encantar o ouvinte a fim de que se sinta atraído por suas palavras e as guarde enquanto verdade. Como filhas da memória (Mnemosýne), conforme Hesíodo cita em sua Teogonia, as Musas "relembram" o poeta, tornando-o um veículo de transmissão da palavra dos deuses aos homens, palavra essa que deve ser levada principalmente na impossibilidade de se guardar tal conhecimento ou mensagem através da escrita; o poeta torna-se o "livro" que deve ser lido por quem o encontra.
Vale lembrar que a Memória da qual surgem as musas não devem se confundidas ou sequer comparadas com o conceito que temos hoje por memória. No contexto em questão, ela se caracteriza pela capacidade de dizer o que foi, o que é e o que será. Além do mais, nem todos possuem-na; por serem intermediários das Musas, os poetas são os únicos a possuí-la. Assim, podemos afirmar que a palavra do poeta tem o poder de unir o mundo humano ao divino através da simbologia das palavras.
Esta capacidade que possui a poesia é vista por Detienne como uma "dualidade", pois ela eterniza as façanhas dos homens e, principalmente dos deuses. Esta dualidade reforça o caráter de verdade da palavra poética, é ele que, na verdade, irá determinar qual o ato a ser louvado, eternizado. Portanto, não depende ou não se encontra nas mãos dos homens o poder de eternizar-se mesmo sendo os protagonistas de suas ações; é o poeta que, enquanto portador da verdade, identifica quais atos são considerados pelos deuses como eternos.
Percebe-se que a verdade, em sua relação com a poesia somente pode ser encontrada nno âmbito religioso. Ela não pode ser definida como conceito, mas encontra-se ligada aquele a pronuncia em, portanto, não é uma palavra qualquer, ao contrário, por ser divina ela é eficiente, imediata e irrevogável. O adjetivo de "Mestre da Verdade" (p. 23) - que aliás dá nome a sua obra - que Detienne reconhece no poeta pode ser compreendido sob estes aspectos apresentados neste trabalho. Neles, a poesia se confunde com a própria verdade: ela é recebida, admirada e nunca contestada. Por isso, enquanto estiver ligada a palavra do poeta, a poesia será neste contexto, sempre uma verdade.

BIBLIOGRAFIA

DETIENNE, Marcel. Os Mestres da Verdade. Trad. Andréa Daher. Jorge Zahar Editor. Rio de Janeiro. 147 p

*As referências 1,2 e 3 destacadas neste texto encontram-se respectivamente nas pgs 13, 14 e 16.



2 comentários:

  1. Muito bom o fórum estava vendo aquele artigo sobre o dedo de platão apontando o dedo para cima !!!

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  2. Walmir, você não vai terminar a análise da "Carta sobre a felicidade" do Epicuro? Falta a quarta parte. Estou curiosíssima para ver o desfecho da sua análise. Desde já agradeço!

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