quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Golpe de Estado em Honduras?

Ao lermos este artigo perceberemos que, o sonho da volta ao poder de Manoel Zelaya está distante de acontecer não por "medidas golpistas", mas por seus erros cometidos a constituição hondurenha.




Segue abaixo um artigo bastante elucidativo sobre o motivo de um possível golpe de Estado cometido por Roberto Micheletti que depôs o então presidente hondurenho Manuel Zelaya do poder. Achei interessante postá-lo, pois o que vimos sobre este caso é totalmente o oposto do que afirma Cícero Harada, que além de advogado é conselheiro da OAB.
Este artigo foi retirado do site www.montfort.org.br

Julho de 2009:
“Golpe de Estado em Honduras”. É a manchete de todos os meios de comunicação. Afinal, o que está ocorrendo? Desde março, o presidente Manuel Zelaya resolveu propor um plebiscito para que assembléia constituinte possibilitasse, entre outras alterações, a reeleição de presidente. Tanto o Congresso Nacional como a Corte Suprema de Justiça, posicionaram-se contra a proposta.
No dia 23 de junho, o Congresso aprovou lei que proíbe a realização de referendos ou plebiscitos 180 dias antes ou depois de eleições gerais, interceptando os planos de Zelaya.
Em virtude disso, o general Romeo Vasquez, chefe do Exército, e demais comandantes militares resolveram não entregar as urnas para votação “para não desrespeitar a lei”. O presidente Zelaya destituiu general Vasquez da chefia. Os chefes da Marinha e da Aeronáutica renunciaram em protesto.
O presidente e seus simpatizantes entraram em uma base militar e retiraram as urnas lá guardadas.
A Corte Suprema decidiu favoravelmente à reintegração do gerneral Vasquez no cargo de chefe do Exército. O presidente Zelaya afirmou que não obedeceria a decisão, porque “a corte, que apenas faz justiça aos poderosos, ricos e banqueiros, só causa problemas para a democracia."
No dia 28, Zelaya foi preso pelo exécito por ordem da Corte Suprema, por ter desobedecido a ordem judicial de não realizar a consulta.
O Congresso leu carta de renúncia atribuída a Zelaya e desmentida por este e empossou como presidente interino, Roberto Michelleti, até então presidente do Congresso.
Honduras teve um longo período de ditadura militar que terminou com a eleição de uma Assembléia Constituinte em 1980, a promulgação da atual Constituição de 1982 (http://pdba.georgetown.edu/Constitutions/Honduras/hond82.html), mesmo ano da posse do primeiro presidente eleito, Roberto Suavo Córdova.
Um povo que sofreu longos anos de autoritarismo militar, manifesta da maneira mais clara e contundente em sua Constituição, que optou por uma democracia em que a alternância do poder é mandamento fundamental e intocável. Nada pode ameaçar nem de leve esta característica republicana. A rigidez constitucional nesse ponto barra qualquer pretensão de perpetuação no poder.
O artigo 239 da Constituição hondurenha prescreve que “o cidadão que tenha desempenhado a titularidade do Poder Executivo não poderá ser Presidente ou Designado. Aquele que ofender esta disposição ou propuser sua reforma, bem como aqueles que a apóiem direta ou indiretamente, terão cessados de imediato o desempenho de seus respectivos cargos e ficarão inabilitados por dez anos para o exercício de toda função pública”.
Note bem que em Honduras a simples proposição da reforma, visando a um novo mandato faz cessar de imediato o exercício do cargo, o dispositivo não excepciona o cargo de presidente.
No Título VII, Da Reforma e da Inviolabilidade da Constituição, Capítulo I, Da Reforma da Constituição, o artigo 374 prescreve a cláusula pétrea da impossibilidade de reeleição nos seguintes termos: “Não se poderá reformar, em nenhum caso, o artigo anterior [ trata da reforma da constituição ], o presente artigo, os artigos constitucionais que se referem à forma de governo, ao território nacional, ao prazo do mandato presidencial, à proibição para ser novamente Presidente da República, o cidadão que o tenha exercido a qualquer título e o referente àqueles que não podem ser Presidentes da República no período subseqüente.”
Aqui está evidente a cláusula pétrea que proíbe a reeleição de Presidente da República.
O artigo 4º é de clareza solar ao definir constitucionalmente o delito contra a alternância do poder: “A forma de governo é republicana, democrática e representativa. É exercido por três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário, complementares e independentes e sem subordinação. A alternância no exercício da Presidência da República é obrigatória. A infração desta norma constitui delito de traição à Pátria.”
Evidente que Zelaya não infringiu esta norma, queria e precisava alterá-la.
No Capítulo III, Dos Cidadãos, o artigo 4º estabelece: “A qualidade de cidadão perde-se: (...) 5. Por incitar, promover ou apoiar o continuísmo ou a reeleição do Presidente da República”.
Por outro lado, o artigo 238 arrola os requisitos necessários para ser Presidente do seguinte modo: “Para ser Presidente ou Designado à Presidência, requer-se: (...) 3. Estar no gozo dos direitos de cidadão”.
Aqui, uma enorme dificuldade constitucional para Zelaya. Talvez a maior blindagem contra a reeleição. A prova do fato, no caso, notório, de conhecimento geral de que promovia e lutava por seu próprio continuísmo, faz perder a cidadania, um dos requisitos essenciais não só para assumir o cargo, mas também para manter-se como Presidente da República.
O artigo 245 esclarece “o Presidente da República detém a administração geral do Estado: são suas atribuições: 1. Cumprir e fazer cumprir a Constituição, os tratados e convenções, leis e demais disposições legais”. (...) “16. Exercer o comando em Chefe das Forças Armadas em seu caráter de Comandante Geral, e adotar as medidas necessárias para a defesa da República;”.
No Capítulo X, Das Forças Armadas, o artigo 272 dispõe que “As Forças Armadas de Honduras são uma Instituição Nacional de caráter permanente, essencialmente profissional, apolítica, obediente e não deliberante. São constituídas para defender a integridade territorial e a soberania da República, manter a paz, a ordem pública e o império da Constituição, os princípios do livre sufrágio e a alternância no exercício da Presidência da República.”
Note-se que o Presidente é o comandante supremo das Forças Armadas. Estas devem obediência ao Chefe de Estado, na medida em que este obedeça a Constituição e, no caso, esta obriga expressamente que as Forças Armadas defenda a alternância do exercício da Presidência da República. No momento em que o presidente pretende a permanência por meio da reeleição, descumprindo as normas constitucionais e decisões da Corte Suprema de Justiça de Honduras, a ordem de prisão emanada por este Tribunal haveria de ser cumprida.
Os fatos e o conjunto das disposições constitucionais citadas mostram que, em Honduras, não houve golpe de Estado. Hans Kelsen ensinava que o golpe de Estado “instaura novo ordenamento jurídico, dado que a violação do ordenamento precedente implica também na mudança da sua norma fundamental e, por conseguinte, na invalidação de todas as leis e disposições emanadas em nome dela”. Trata-se de poder de fato a impor-se contra a ordem jurídica em vigor, instituindo novo ordenamento. Em Honduras, o modelo bolivariano do presidente foi repelido graças a uma Constituição prenhe de anticorpos a estancar a tentação do continuísmo e do caudilhismo latino-americano. Lá se evitou o golpe e se defendeu a Constituição e a lei.
Agora, forças internacionais terríveis levantam-se contra o “golpe de Estado” em Honduras. Da ONU à OEA, passando pela ALBA (Aliança Bolivariana para as Américas), de Chávez, Lula e Fidel a Hillary Clinton e Obama. Lançam foguetes para matar uma mosca. Não é de hoje que Honduras, um pequeno e fraco país, depende dos Estados Unidos. No século XX, a United Fruits Company e a Standard Fruit Company, companhias bananeiras estabelecidas em Honduras, punham e depunham presidentes, controlavam o Congresso, faziam aprovar leis. Mesmo no início do regime democrático nos anos 80, Honduras permitiu aos Estados Unidos o uso de seu território como base estratégica para ações contra a Nicarágua. A ONU, por decisão unânime dos países –membros, exige a restauração de Zelaya e Organização de Estados Americanos (OEA) dá um ultimato para que o governo interino o reconduza à presidência. E o império? E Obama? E a Constituição de Honduras? E Honduras? Ora, Honduras, ora, ora, a Constituição de Honduras...
Cícero Harada
Advogado, Conselheiro da OAB-SP, Presidente da Comissão de Defesa da República e da Democracia da OAB-SP, foi Procurador do Estado de São Paulo.

domingo, 25 de outubro de 2009

Carta sobre a felicidade de Epicuro a Meneceu - 3º parte

Nesta terceira parte de nossa reflexão sobre a terceira parte da carta sobre a felicidade de Epicuro para Meneceu faremos uma reflexão sobre sua visão do futuro que, em nossos dias, atribulam tanto as pessoas que estas “esquecem-se” do presente em que vivem. Este esquecimento acontece muitas vezes devido a esperança, ou seja, a fé que a maioria das pessoas possuem em um Deus que certamente não lhes deixaram “na mão”. Entretanto, tal atitude não seria uma forma de fugir de si e da responsabilidade que se tem, colocando-a em algo transcendente? Não que seja errada tal atitude, mas será que não estamos esquecendo do cumprimento também de nossas obrigações, de “arregaçarmos as mangas” e junto com Deus, ou seja, lá o que for que alguém acredite chegarmos a conquista tão almejada?
Depois, falaremos também sobre os prazeres que para Epicuro é a felicidade, contudo não é a prática de todos eles que nos trará a felicidade, muito pelo contrário, faz-se necessária uma moderação. A partir desta pequena introdução, iniciemos nossa reflexão:

“Nunca devemos nos esquecer de que o futuro não é totalmente nosso, nem totalmente não nosso, para não sermos obrigados a esperá-lo como se estivesse por vir com toda a certeza, nem nos desesperarmos como se não estivesse por vir jamais”.

No início desta terceira parte pode-se notar que, como visto nas partes anteriores, qualquer tipo de preocupação é má, pois ela nos tira qualquer possibilidade de felicidade. Assim, como não se pode ter a certeza do amanhã e de que aquilo que desejamos iremos possuir, a melhor forma de evitar e suprimir esta angústia que permeia toda a humanidade é viver. Aquele velho jargão que sempre ouvimos cabe perfeitamente nesta parte: “Viver o hoje como se fosse o seu último dia”.
Se pararmos para analisar esta visão de Epicuro veremos que ele tem razão no que diz, afinal, se ficarmos esperando o amanhã que ainda não chegou deixaremos de viver o hoje, perdendo assim, uma oportunidade única que jamais irá se repetir. Ao contrário, se optarmos por esquecer o amanhã e vivermos com intensidade o presente à vida não será em vão, evitando qualquer possibilidade de frustração.

“Consideremos também que, dentre os desejos, há os que são naturais e os que são inúteis; dentre os que são naturais, há uns que são necessários e outros, apenas naturais; dentre os necessários, há alguns que são fundamentais para a felicidade, outros, para o bem estar corporal, outros ainda para a própria vida. E o conhecimento seguro dos desejos leva a direcionar toda a escolha e toda a recusa para a saúde do corpo e para a serenidade do espírito, visto que esta é a finalidade da vida feliz: em razão desse fim praticamos todas as nossas ações, para nos afastarmos da dor e do medo”.

Epicuro ao definir o que são os desejos, faz algo genial: utiliza-se da simplicidade, ou seja, existem dois tipos de desejos para ele os naturais e os inúteis. Depois, subdivide os naturais em necessários e apenas naturais; mas porque a genialidade se encontra em sua simplicidade? Vemos em nossos dias, muitas teorias sobre o que querer e como querer, porém uma questão como esta é difícil de se construir e desenvolver pois, o que é necessário para um é inútil para o outro. Epicuro, não entra neste mérito de descrever quais coisas se devem ou não possuir para ser feliz; segundo ele a felicidade consiste na manutenção saudável da vida e é aí que se encontra a genialidade de Epicuro. Com isso ele que afirmar que, seja qual for a sua vida, seja lá no que você acredite ou goste, a felicidade consiste na ausência da dor e do medo, isto é, da perturbação da alma. Que não são os preceitos vindos de fora que tornam o homem feliz, mas sim o tipo de vida que leva: se ela o afasta da dor e do medo, esta pode ser considerada uma vida feliz.

“Uma vez que tenhamos atingido este estado, toda a tempestade da alma se aplaca, e o ser vivo, não tendo que ir em busca de algo que lhe falta, nem procurar outra coisa a não ser o bem da alma e do corpo, estará satisfeito. De fato, só sentimos necessidade do prazer quando sofremos pela sua ausência; ao contrário, quando não sofremos, essa necessidade não se faz sentir”.

A vida feliz não necessita de prazer, porque ela é o próprio prazer. A procura por qualquer prazer é sinônimo de perturbação para Epicuro. Não que o homem após chegar neste estado de ausência de dor e de medo, deva se acomodar porque como ele mesmo afirma acima, a única coisa que devemos procurar é o bem da alma e do corpo, e nesta busca está incluído tudo aquilo que torna o homem feliz. A acomodação torna-se então um mal, pois ela não procura um bem maior a alma, fazendo assim que sofra e logo, procure pelo prazer.

“É por essa razão que afirmamos que o prazer é o início e o fim de uma vida feliz. Com efeito, nós o identificamos como o bem primeiro e inerente ao ser humano, em razão dele praticamos toda escolha e toda recusa, e a ele chegamos escolhendo todo bem de acordo com a distinção entre prazer e dor”.

O prazer é, desta forma o que conduz o homem à felicidade ou a dor, isto é, são as nossas escolhas que farão a vida feliz ou não. O prazer encontra-se no início da vida feliz, pois é ele que impulsiona o homem a buscar o fim das perturbações e conseqüentemente a manutenção do ser. Ela é também o fim porque uma feliz não procura prazeres, pelo fato de que ela é o próprio prazer.

“Embora o prazer seja nosso bem primeiro e inato, nem por isso escolhemos qualquer prazer: há ocasiões em que evitamos muitos prazeres, quando deles nos advêm efeitos o mais das vezes desagradáveis; ao passo que consideramos muitos sofrimentos preferíveis aos prazeres, se um prazer maior advier depois de suportarmos essas dores por muito tempo. Portanto, todo prazer constitui um bem para sua própria natureza; não obstante isso, nem todos são escolhidos; do mesmo modo, toda dor é um mal, mas nem todas devem ser sempre evitadas. Convém, portanto, avaliar todos os prazeres e sofrimentos de acordo com o critério dos benefícios e dos danos. Há ocasiões em que utilizamos um bem como se fosse um mal e, ao contrário, um mal como se fosse um bem”.

Aqui vemos que não é qualquer prazer que torna o homem feliz, é preciso distingui-los, mas vemos aqui – como já destacado acima - que Epicuro não aponta quais prazeres são, ele deixa apenas o caminho: o que propõe um bem para natureza do homem é o verdadeiro prazer. Ele quer que o homem pense antes de agir, ou seja, que ele pratique a filosofia; não agindo como a maioria das pessoas de nosso tempo que julga um prazer bom pelo bem que este fez na vida de outro.

“Consideramos ainda a auto-suficiência um grande bem; não que devamos nos satisfazer com pouco, mas para nos contentarmos como esse pouco caso não tenhamos o muito, honestamente convencidos de que desfrutam melhor a abundância os que menos dependem dela; tudo o que é natural é fácil de conseguir; difícil é tudo o que é inútil. Os alimentos mais simples proporcionam o mesmo prazer que as iguarias mais requintadas, desde que se remova a dor provocada pela falta: pão e água produzem o prazer mais profundo quando ingeridos por quem deles necessita”.

O desprezo por aquilo que se possui é um mal, pois nos leva a sempre desejar não por necessidade, mas, por vaidade e orgulho. Temos em nosso tempo um lema de que tudo o que conseguimos com dificuldade possui o verdadeiro valor, entretanto, para Epicuro é totalmente o contrário, o bem vindo através da dificuldade é totalmente inútil; o motivo de sua inutilidade é que se este fosse um bem verdadeiro viria de forma natural.

“Habituar-se às coisas simples, a um modo de vida não luxuoso, portanto, não só é conveniente para a saúde, como ainda proporciona ao homem os meios pra enfrentar corajosamente as adversidades da vida: nos períodos em que conseguimos levar uma existência rica, predispõe o nosso ânimo para melhor aproveitá-la, e nos prepara para enfrentar sem temos as vicissitudes da sorte”.

A conclusão de Epicuro nesta terceira parte resume aquilo que nossa sociedade, de forma geral, deveria compreender. Ela caminha na direção contrária do que pede Epicuro, ou seja, busca o luxo e o poder e por este motivo, que ela não é feliz, desencadeando depressões, medos, doenças e tristezas. Com base no caminho proposto por Epicuro, caminhemos rumo ao término de nossa reflexão em nosso próximo post.