A reflexão que abre as muitas que virão neste ano de 2011 vêm em um momento bastante propício, afinal, a política pelo menos para nós brasileiros, neste ano de 2011 traz esperança, visto que pela primeira vez nosso país terá em seu cargo máximo uma mulher. Ainda mais quando vimos uma disputa eleitoral marcada não por boas promessas ou ideias novas que deixassem a nós eleitores confusos por não saber escolher qual candidato votar; pelo contrário, a religião – mais precisamente a questão do aborto – foi o que decidiu esta conturbada eleição. Não que ela deva ficar de lado no que diz respeito à política, principalmente quando o tema dizia respeito à vida de cidadãos brasileiros que ainda na barriga de suas “mães” são covardemente mortos com o argumento contraditório e enganoso de ser “dona” de seu corpo, o problema é que virou um grande círculo o tema religioso deixando de lado temas de igual relevância, como a educação e saúde que tiveram sua importância diminuída se comparada a uma acalorada discussão que houve referente ao tema, como se a falta de educação e saúde também não dizimasse pessoas.
Há pelo menos uma semana, li uma reportagem em que a presidente eleita mandou retirar de seu gabinete o crucifixo e a bíblia, como símbolos de um estado laico. A pergunta que me veio a mente foi que em suas visitas a cristãos sejam eles católicos ou protestantes, e mesmo em seu programa político onde ela afirmava sua crença em Deus, ela teria coragem de dizer que tomaria tal atitude? Mas o pior de tudo foi o sentimento de revolta que se apoderou de mim não porque sou cristão, muito pelo contrário, a revolta foi por saber quanto tempo se perdeu em uma discussão que sabia só tem um valor para a conquista de votos. Maquiavel, em sua obra O príncipe tem muito a oferecer nesta reflexão, visto que ele mostra-nos como a relação entre a virtu e a fortuna é de suma importância em um processo eleitoral, visto que é preciso vender uma imagem ao povo para que esta imagem seja eleita, pois o que ele – ou ela – é em sua essência descobriremos aos poucos.
Dizer que Maquiavel é um pensador político é, no mínimo, um desrespeito ao pensador e sua obra visto que ele vai muito além de uma perspectiva política ao descrever normas para o príncipe, pois ele se utiliza de historiadores clássicos gregos além de contrapor-se a um pensamento idealista-platônico, quando reflete não sobre um estado possível ou imaginário, mas sim, segundo Maria Tereza Sadek*: “... examinar a realidade tal como ela é e não como se gostaria que ela fosse.” Ou seja, Maquiavel examina o Estado tal como é, seus problemas e defeitos, para formular uma resposta para que este funcione de maneira correta, sempre levando em consideração a natureza humana.
Para corroborar o que digo, analisemos um trecho de sua obra O príncipe:
“É, porém, no principado novo que estão as dificuldades... É que os homens gostam de mudar de senhor, julgando melhorar... Isto por sua vez deriva da natural e comum necessidade de ofender aqueles de quem nos tornamos príncipe novo (grifo meu)...” (Capítulo III)
Vemos que Maquiavel ao analisar a dificuldade que os príncipes encontram quando conquistam um novo estado, entende que a dificuldade inicial origina-se não na nova forma de governo que estava por vir ou nos impostos que este governo iria criar, mas, em uma incidência natural de todo ser humano em ofender ou recusar um governante que lhe seja estranho.
Isto posto podemos retomar a reflexão entre a virtu e a fortuna em um processo eleitoral. Para Maquiavel a noção de fortuna que pairava o pensamento grego clássico foi desfigurada com o advento do cristianismo, pois se para os gregos a fortuna era vista como uma deusa boa e que para possuir tudo aquilo que ela tinha para oferecer era necessário a virtú, isto é, em troca de fama, glória e riqueza os gregos ofereciam toda a sua coragem e virilidade para seduzi-la e posteriormente receber o que deseja. Com o cristianismo e seu pensamento de humildade esta noção de fortuna perde seu espaço, segundo o pensamento cristão a fortuna não tem o poder de oferecer a tão sonhada riqueza e glória, muito pelo contrário, quanto mais o homem se aproxima destes bens mais será infeliz e pobre, não para o mundo que é mutável, mas sim para Deus, a fonte de toda felicidade. Desta forma, tais bens tornam-se secundários e submetidos ao destino de cada homem.
No entanto, Maquiavel adere a concepção grega, onde a fortuna esta submetida a virtu, ou seja, o príncipe que deseja honra, glória, riqueza e, principalmente a manutenção de seu reinado deve possuir coragem e saber utilizar a força. Porém, como bem destaca Maria Tereza Sadek: “Não se trata mais apenas da força bruta, da violência, mas da sabedoria no uso da força, da utilização virtuosa da força”. A sabedoria deve acompanhar o príncipe, sabendo fazer uso da força no momento necessário, impondo não o medo, mas, o respeito de seus concidadãos.
Voltando aos nossos dias, a questão religiosa que acabou se tornando a minerva destas eleições, nossa presidente agiu de forma maquiavélica. Mas, isso quer dizer que ela tenha agido de forma má, ao contrário, a referência é a forma com que Maquiavel agiria: agradando ao povo dizendo que era totalmente contra o aborto, quando sabemos que isso não é verdade, ela agiu segundo a virtú do pensador florentino, percebeu que a maioria que a iria eleger precisava de uma imagem, ainda que ela não dure muito, mas, para a política de Maquiavel imagem é tudo. Não seria neste caso uma traição ao povo que a elegeu? Não. Esta negativa quer dizer que como o Estado e sua política não possuem os freios morais da religião, o bem do Estado será colocado – ainda que infelizmente para os cristãos – a frente de qualquer concepção religiosa, ainda que ela tenha alguma influência.
Portanto, se alguém pensar que escolheu errado ao votar em Dilma, tenha calma. O candidato José Serra iria agir da mesma maneira, como fez em São Paulo vendendo uma imagem de candidato moderno e preocupado com as camadas mais pobres deste país, pura imagem.
Maquiavel tornou-se um pensador clássico porque suas ideias não perdem o valor, tornando a leitura de O príncipe cada vez mais atual e de diferentes interpretações. Caracterizar ele ou qualquer pessoa como maquiavélico devido a sua doutrina, comprará briga com pensadores de alto nível como Rousseau onde afirmava: “ Maquiavel, fingindo dar lições aos ricos, deu grandes lições ao povo”. É possível esta interpretação da leitura de O príncipe, entretanto, o que posso afirmar, em minha modesta opinião, é que se ele realmente desejava dar lições ao povo sobre os métodos de seus governantes, o fez através de seus comentadores, pois acredito que este não era e nunca foi seu objetivo.
* Sadek, Maria Tereza. Nicolau Maquiavel: o cidadão sem fortuna, o intelectual de virtú.