sábado, 21 de março de 2009




Uma visão Cristã e filosófica da morte

Depois de um tempo ausente (devido ao meu computador que esteve “enfermo” por um tempo), gostaria de refletir sobre um assunto que muitas vezes nos convida a reflexão – ou ás vezes não – e nos faz repensar também sobre a nossa condição: este assunto é a morte. Conseqüentemente, ao procurar investigar sobre este assunto me vem a mente duas perguntas que gostaria de discorrer: Por que morremos? A morte em si é boa ou é ruim?
Ao pensar filosoficamente a morte me vem como inspiração um texto da Hannah Arendt intitulado: O que é a filosofia da Existenz, retirado de seu livro A dignidade da Política, ao comentar sobre a filosofia kantiana ela nos mostra que apesar da genialidade de Kant em sua teoria, o fato de ele se “esquecer” da contingência do próprio homem, deixou transparecer a contradição em seu sistema.
Kant é o filósofo da liberdade, da autonomia do homem contra o antigo conceito de Ser, ao libertá-lo deste conceito Kant pretende assim devolver a dignidade outrora perdida. Com sua obra A Crítica da Razão Pura, todo e qualquer conceito para se tornar válido teria de passar obrigatoriamente pelo crivo da razão, a revolução copernicana de Kant que resultará nos juízos sintéticos a priori, irá colocar o homem como determinante e não mais como determinado, ou seja, como é o próprio sujeito que pensa este só conhece das coisas aquilo que a sua própria razão coloca; eis aí o fundamento dos juízos sintéticos a priori. E quais serão os desdobramentos posteriores acerca deste ponto? De acordo com Hannah Arendt, a partir deste pensamento que destrói a antiga concepção de Ser e pensamento destruiu também a harmonia existente entre o homem e o mundo:
Com essa posição... o reino absoluto e racionalmente concebível das idéias e dos valores universais foi abatido em um só golpe; e o homem foi posto no meio de um mundo onde não havia mais nada em que pudesse confiar...” (A Dignidade da Política, pag.21)
Ao colocar a realidade em questão, Kant acreditava ter postulado um novo conceito de liberdade, quando na verdade é neste ponto em que a contradição aparece; o homem é capaz de determinar suas ações a partir de sua capacidade, mas, estas mesmas ações estão sujeitas á causalidade natural, ou seja, por mais livre que o homem pense que seja ele é escravo do destino, de algo que ele não pode determinar, como por exemplo, a morte.
Ao notar a escravidão do homem perante o Ser, saio neste momento da filosofia e parto rumo a uma visão cristã e católica do que imagino que seja a morte. Ao ler o texto de Hannah Arendt e notar através de suas palavras a escravidão humana, a visão de Agostinho logo encaixa perfeitamente com esta visão, pois ele é totalmente dependente de Deus e de sua vontade, é também escravo, mas como nos afirma S. Paulo: “Cristo nos libertou para que sejamos verdadeiramente livres. Portanto, fiquem firmes e não se submetam de novo ao jugo da escravidão” (Gal 5,1).
Antonino Tonna Barthet, em seu livro: Síntese da Espiritualidade Agostiniana nos oferece uma ótima visão agostiniana e, sobretudo cristã do que seja a morte. Segundo ele a morte é inevitável, todos nós – eu disse todos –a cada dia caminhamos em direção a ela impulsionados por um movimento igual, ou seja, apesar de uma vida ter se perdido de uma forma brusca e repentina caminhamos na mesma velocidade, assim o que se pode medir é o espaço de vida e não uma lentidão para a morte. Apesar de tentarmos evitá-la, ela é certa e virá; a cultura que nos é posta hoje é que a morte em si é uma coisa ruim, principalmente considerando as facilidades e praticidades deste mundo, fazemos de tudo para continuarmos aqui e se esquecemos que a ida é inevitável. A pergunta será a morte mesma ruim? Não. A morte é o encontro da alma com Deus, o problema é que estamos “escondendo o nosso tesouro na terra (MT 6,19)”, em vez de nos prepararmos para receber a morte tomamos o caminho contrário, como, aliás, se pudéssemos tomá-lo. A palavra de Deus não nos satisfaz, ela não é palpável E lenta e vivemos no mundo do delivery, não podemos esperar e procuramos soluções mais seguras que a medicina muito avançada hoje nos proporciona. Barthet em seu livro nos chama a atenção: “Onde, pois, estiver teu tesouro, diz, aí estará também teu coração (MT 6,21), neste momento onde está teu tesouro? Onde está aquilo que você mais valoriza? Pense antes de responder... ainda não terminei!
Lembra-te do da parábola do rico e do pobre Lázaro (Lc 16, 19-31)? Lembra-te de como era linda e confortável a vida do rico? Não lhe faltava nada, possuía tudo em abundância ao contrário Lázaro tinha apenas as migalhas que caiam da mesa de lázaro. Morreram os dois, e a situação se inverteu; Lázaro foi para o seio de Abraão e o rico foi para o meio dos tormentos, vendo a situação que estava Barthet destaca o sofrimento do rico em seu livro: Pai Abraão tem piedade de mim e envia Lázaro para que molhe seu dedo na água e pingue na minha língua, porque estou sofrendo nestas chamas (Lc 16,19), vejam só que contradição, Lázaro mesmo miserável tinha acesso as migalhas, já o rico que tudo tinha, nem um pingo de água possuía.
Portanto, morremos porque nascemos se assim não o fosse certamente não morreríamos como não é o nosso caso que possamos nos preparar para o dia em que ela chegar. A filosofia ao se deparar com a morte retorna à estaca zero, o homem que se considerava livre agora já não é, é dependente e escravo. Somos dependentes de Deus, isso não é possível negar e iremos ao seu encontro, agora se iremos ocupar a situação do pobre Lázaro ou do rico, isso não depende de Deus, neste momento recuperamos nossa liberdade e é ela que nos conduzirá a paz ou aos tormentos.

quinta-feira, 12 de março de 2009

A arte na visão de Friedrich Nietzsche

"A arte e nada mais que a arte! Ela é a grande possibilitadora da vida,
a grande aliciadora da vida, o grande estimulante da vida". (Friedrich Nietzsche)

É de autoria do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) a frase "a arte existe para que a realidade não nos destrua"; Nietzsche acreditava que somente a arte poderia oferecer aos homens força e capacidade para enfrentar as dores da vida, fazendo-os "dizer sim" à ela. A própria vida, argumenta, justifica-se enquanto fenômeno estético - o mundo é um acontecimento estético. E é se voltando para os gregos antigos que Nietzsche faz um elogio da arte, destacando o seu papel "redentor". Mas não é a Grécia da escultura clássica - tão romantizada - que o filósofo elogia, e sim a Grécia pré-socrática, da tragédia antiga. Nela, o destino do herói é sofrer; desse modo, o espectador aceita o sofrimento como parte da vida, e resiste à ele. Ao apreciar uma obra como, por exemplo, Édipo-Rei, de Sófocles (496 a.C. - 406 a.C.), dobramos nossos pensamentos de repugnância a respeito do horrível. É na tragédia ática que, segundo Nietzsche em seu livro O Nascimento da Tragédia, se encontram sintetizados dois impulsos artísticos existentes na própria natureza: o apolíneo e o dionisíaco. Os termos são inspirados em Apolo (imagem) e Dioniso, deuses da mitologia grega. O primeiro pode ser associado à "luminosidade", racionalidade, à sabedoria, às artes plásticas, à estética do sonho, à busca pela perfeição da forma. É pela presença do apolíneo na natureza que cada coisa possui um contorno específico, distinguindo-se de todas as outras; por isso, Nietzsche identifica Apolo como o deus do princípio de individuação, princípio pelo qual, nas palavras do próprio filósofo, "nos sentimos indivíduos colocados em um ponto preciso do espaço e do tempo". A arte apolínea (a epopéia de Homero, por exemplo) seria então um impulso de ordenação do "caos da vida" - uma justificação estético-racional originada na perplexidade diante da natureza, do devir e do absurdo da existência. Por esta razão, acredita Nietzsche, os gregos criaram os deuses olímpicos, uma forma de estética apolínea, cujo intuito é mascarar os terrores da existência (por exemplo, a própria finitude da existência. A beleza é, então, criada artificialmente. Em sua obra Nietzsche e a Verdade, o comentador Roberto Machado - professor da UFRJ - afirma que "a beleza é uma aparência, um fenômeno, uma representação que tem por objetivo mascarar, encobrir, velar a verdade essencial do mundo. Para escapar do saber popular pessimista, o grego cria um mundo de beleza que, ao invés de expressar a verdade do mundo, é uma estratégia para que ela não ecloda. Produzir beleza significa se enganar na aparência e ocultar a verdadeira realidade". Pode-se dizer, portanto, que a consciência apolínea é uma espécie de véu de Maia, que substitui o mundo da verdade por formas belas.

Ao contrário, Dioniso (imagem) é identificado como o deus do êxtase, da música, da dança; não aparência e racionalidade, e sim instinto, paixão, sentimentos selvagens, embriaguez, loucura, caos, desmesura, disformidade, fúria sexual, vitalidade, alegria de viver; não princípio de individuação, mas "saída de si mesmo", abolição da subjetividade, sentimento místico de unidade, fusão do homem com a natureza e com os demais homens, desvelamento do mistério do Uno-Primitivo. O desenvolvimento da arte está, para o filósofo, ligado à duplicidade do dionisíaco e do apolíneo. O mundo grego teria, portanto, encontrado uma síntese entre estas duas tendências. Neste momento de integração entre Apolo e Dioniso, o primeiro transforma um fenômeno natural (o dionisíaco) em fenômeno estético; isto é, o dionisíaco puro, bárbaro, se torna arte na união com Apolo. De acordo com o professor Roberto Machado, "não se trata, em Nietzsche, de negar a aparência em nome da essência. Se o dionisíaco puro é aniquilador da vida, se só a arte torna possível uma experiência dionisíaca, não pode haver dionisíaco sem apolíneo. A visão trágica do mundo, tal como Nietzsche a interpreta, é um equilíbrio entre ilusão e a verdade, entre aparência e a essência". Nietzsche entendia que a tragédia tinha a função de ser um "tônico da vida". Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.), filósofo da Grécia antiga (pós-trágica, contudo), também preocupou-se - em sua obra Poética - com o estudo da tragédia, que seria, ao seu ver, mimese, ou seja, imitação de ações humanas (assim como toda arte poética, de acordo com o filósofo grego). O homem sentiria um prazer congênito na imitação, além de uma disposição natural para a melodia e o ritmo; assim teriam surgido as artes poéticas. Para Aristóteles, ao contrário do que pensava Nietzsche, a tragédia - a quem o filósofo grego deu uma atenção toda especial - tinha uma função moral: suscitando no público uma mescla do sentimento de terror com o sentimendo de piedade, provocaria a catarse dessas emoções, purificando o espírito do espectador de suas paixões "degradantes". Nietzsche acreditava justamente no oposto, isto é, que a função trágica era estimular - e não purificar - essas paixões. Nietzsche argumenta ainda que Aristóteles não teria percebido a existência do apolíneo e do dionisíaco na cena trágica. Esta cena terminaria com a vitória final da ironia socrática.


O filósofo Friedrich Nietzsche

O fim da tragédia. Mas como Nietzsche interpreta o fim da tragédia grega? Como resultado da racionalização da arte, fruto do processo progressivo de supremacia do espírito apolíneo, desencadeado pela influência do filósofo grego Sócrates (470 a.C. - 399 a.C.). Para Nietzsche, já com o tragedista Eurípides (480 a.C. - 406 a.C.) vai se eliminando da tragédia o elemento dionisíaco, em favor de elementos morais e intelectualistas - pregados pelo socratismo. E afirma: "pela boca de Eurípides falava Sócrates". Segundo o filósofo alemão, "Sócrates foi um equívoco", disse "não" à vida, pois combateu o fascínio dionisíaco. Sócrates - modelo do "homem teórico" - quis dominar a vida com a razão e aí teria começado a decadência da humanidade. De acordo com o nietzschianismo, a razão apolínea era uma aparência, e não verdade; Sócrates - antes disso - identifica razão e verdade, e condena a aparência. Em outras palavras: Sócrates faz triunfar o mundo abstrato do pensamento. Assim, a tragédia e posteriormente toda a civilização ocidental acabam invadidas pelo racionalismo. Sócrates acusa a arte de irracionalidade, de representar o agradável e não o útil, de não procurar a verdade e de desviar o homem do caminho da razão. Platão (428 a.C. - 347 a.C.), discípulo de Sócrates, segue o mesmo caminho do mestre: condena as artes. Para ele, a mimese não cria objetos originais, mas cópias da realidade sensível (que, por sua vez, é cópia imperfeita de uma realidade inteligível, o Mundo das Idéias) - ou seja, a arte seria, nesse caso, cópia da cópia, um simulacro, de modo que o artista "o terceiro na fila para o trono da verdade". Diante do desaparecimento da tragédia, Nietzsche - antipático à civilização moderna científica - sonhou com um processo de reestetização do mundo, isto é, com um renascimento da antiguidade grega, do dionisismo no espírito alemão, em nome de uma interpretação de mundo não racional, mas sim artística.

Rafael Issa é graduando em Filosofia pela Universidade de São Paulo e formado em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo.