Depois de um tempo ausente (devido ao meu computador que esteve “enfermo” por um tempo), gostaria de refletir sobre um assunto que muitas vezes nos convida a reflexão – ou ás vezes não – e nos faz repensar também sobre a nossa condição: este assunto é a morte. Conseqüentemente, ao procurar investigar sobre este assunto me vem a mente duas perguntas que gostaria de discorrer: Por que morremos? A morte em si é boa ou é ruim?
Ao pensar filosoficamente a morte me vem como inspiração um texto da Hannah Arendt intitulado: O que é a filosofia da Existenz, retirado de seu livro A dignidade da Política, ao comentar sobre a filosofia kantiana ela nos mostra que apesar da genialidade de Kant em sua teoria, o fato de ele se “esquecer” da contingência do próprio homem, deixou transparecer a contradição em seu sistema.
Kant é o filósofo da liberdade, da autonomia do homem contra o antigo conceito de Ser, ao libertá-lo deste conceito Kant pretende assim devolver a dignidade outrora perdida. Com sua obra A Crítica da Razão Pura, todo e qualquer conceito para se tornar válido teria de passar obrigatoriamente pelo crivo da razão, a revolução copernicana de Kant que resultará nos juízos sintéticos a priori, irá colocar o homem como determinante e não mais como determinado, ou seja, como é o próprio sujeito que pensa este só conhece das coisas aquilo que a sua própria razão coloca; eis aí o fundamento dos juízos sintéticos a priori. E quais serão os desdobramentos posteriores acerca deste ponto? De acordo com Hannah Arendt, a partir deste pensamento que destrói a antiga concepção de Ser e pensamento destruiu também a harmonia existente entre o homem e o mundo:
“Com essa posição... o reino absoluto e racionalmente concebível das idéias e dos valores universais foi abatido em um só golpe; e o homem foi posto no meio de um mundo onde não havia mais nada em que pudesse confiar...” (A Dignidade da Política, pag.21)
Ao colocar a realidade em questão, Kant acreditava ter postulado um novo conceito de liberdade, quando na verdade é neste ponto em que a contradição aparece; o homem é capaz de determinar suas ações a partir de sua capacidade, mas, estas mesmas ações estão sujeitas á causalidade natural, ou seja, por mais livre que o homem pense que seja ele é escravo do destino, de algo que ele não pode determinar, como por exemplo, a morte.
Ao notar a escravidão do homem perante o Ser, saio neste momento da filosofia e parto rumo a uma visão cristã e católica do que imagino que seja a morte. Ao ler o texto de Hannah Arendt e notar através de suas palavras a escravidão humana, a visão de Agostinho logo encaixa perfeitamente com esta visão, pois ele é totalmente dependente de Deus e de sua vontade, é também escravo, mas como nos afirma S. Paulo: “Cristo nos libertou para que sejamos verdadeiramente livres. Portanto, fiquem firmes e não se submetam de novo ao jugo da escravidão” (Gal 5,1).
Antonino Tonna Barthet, em seu livro: Síntese da Espiritualidade Agostiniana nos oferece uma ótima visão agostiniana e, sobretudo cristã do que seja a morte. Segundo ele a morte é inevitável, todos nós – eu disse todos –a cada dia caminhamos em direção a ela impulsionados por um movimento igual, ou seja, apesar de uma vida ter se perdido de uma forma brusca e repentina caminhamos na mesma velocidade, assim o que se pode medir é o espaço de vida e não uma lentidão para a morte. Apesar de tentarmos evitá-la, ela é certa e virá; a cultura que nos é posta hoje é que a morte em si é uma coisa ruim, principalmente considerando as facilidades e praticidades deste mundo, fazemos de tudo para continuarmos aqui e se esquecemos que a ida é inevitável. A pergunta será a morte mesma ruim? Não. A morte é o encontro da alma com Deus, o problema é que estamos “escondendo o nosso tesouro na terra (MT 6,19)”, em vez de nos prepararmos para receber a morte tomamos o caminho contrário, como, aliás, se pudéssemos tomá-lo. A palavra de Deus não nos satisfaz, ela não é palpável E lenta e vivemos no mundo do delivery, não podemos esperar e procuramos soluções mais seguras que a medicina muito avançada hoje nos proporciona. Barthet em seu livro nos chama a atenção: “Onde, pois, estiver teu tesouro, diz, aí estará também teu coração (MT 6,21), neste momento onde está teu tesouro? Onde está aquilo que você mais valoriza? Pense antes de responder... ainda não terminei!
Lembra-te do da parábola do rico e do pobre Lázaro (Lc 16, 19-31)? Lembra-te de como era linda e confortável a vida do rico? Não lhe faltava nada, possuía tudo em abundância ao contrário Lázaro tinha apenas as migalhas que caiam da mesa de lázaro. Morreram os dois, e a situação se inverteu; Lázaro foi para o seio de Abraão e o rico foi para o meio dos tormentos, vendo a situação que estava Barthet destaca o sofrimento do rico em seu livro: Pai Abraão tem piedade de mim e envia Lázaro para que molhe seu dedo na água e pingue na minha língua, porque estou sofrendo nestas chamas (Lc 16,19), vejam só que contradição, Lázaro mesmo miserável tinha acesso as migalhas, já o rico que tudo tinha, nem um pingo de água possuía.
Portanto, morremos porque nascemos se assim não o fosse certamente não morreríamos como não é o nosso caso que possamos nos preparar para o dia em que ela chegar. A filosofia ao se deparar com a morte retorna à estaca zero, o homem que se considerava livre agora já não é, é dependente e escravo. Somos dependentes de Deus, isso não é possível negar e iremos ao seu encontro, agora se iremos ocupar a situação do pobre Lázaro ou do rico, isso não depende de Deus, neste momento recuperamos nossa liberdade e é ela que nos conduzirá a paz ou aos tormentos.