quarta-feira, 17 de junho de 2009

O Medo, segundo Baruch Espinosa


Todos nós em algum momento da vida, passamos por esta experiência: sentir medo.
Entretanto, a forma como administramos este momento faz toda a diferença quando este é superado. Afinal, o medo coloca o ser humano em tal situação que a razão acaba perdendo espaço para a emoção, e as ações regadas a esta – em sua maioria – são danosas e irreversíveis; o medo também faz com que se procure alternativas para superá-lo ou esquecê-lo, é sobre estas alternativas que Baruch de Espinoza (1632-1677) trata no prefácio de seu livro Tratado Teológico-Político e que fornecerá o fundamento para a nossa reflexão.
Logo no início de seu prefácio ele afirma:

“ Se os homens pudessem, em todas as circunstâncias, decidir pelo seguro ou se a fortuna lhes mostrasse sempre favorável, jamais seriam vítimas da superstição.”

A análise que Espinosa faz do homem de sua época é a de este é refém de suas necessidades, ou seja, quando ele as consegue suprir vive bem, ao contrário a dificuldade em supri-las leva-o ao medo e conseqüentemente a superstição. Assim, o homem quando tem segurança em sua vida e em seus propósitos jamais vai a procura do “sobrenatural”ou da religião pelo fato de que ele, por suas próprias forças, e sobretudo pelo seus bens pode ser feliz e sentir-se seguro.
O homem contemporâneo é o retrato fiel da análise de Espinosa feita em seu tratado, pois em uma sociedade globalizada, de profunda exclusão e que define as pessoas pelo que possuem e não pelo o que são fazem com que o homem busque incessantemente ocupar este espaço. Porém, ocupar este espaço não é uma tarefa fácil; primeiro porque o homem é cheio de esperanças: no amor, no financeiro, na saúde, etc. Como suprir estas esperanças? A resposta em nossos dias está na religião. É através dela que o homem fará uma ponte para chegar aonde espera, aonde deseja; a busca pelo sobrenatural, por algo mais poderoso que ele é a solução que certamente não irá deixá-lo na situação em que se encontra.
Mas, o homem é contraditório, egoísta e age por interesse próprio. Tais características encontram-se como que implícitas nas palavras de Espinosa que veremos a seguir:

“Não há, com efeito, ninguém que tenha vivido entre os homens que não se tenha dado conta de que a maior parte deles, se estão em maré de prosperidade, por mais ignorantes que sejam, ostentam uma tal sabedoria que até se sentem ofendidos se alguém lhes quer dar um conselho. Todavia, se estão na adversidade, já não sabem pra onde se virar, suplicam o conselho de quem quer que seja e não há nada que se lhes diga, por mais frívolo, absurdo ou inútil, que eles não sigam.”

Dessa forma, vemos que para Espinosa o homem é inconstante, maleável, incapaz de ser o que é. A situação de conforto ou de riqueza traz ao homem sabedoria, força e coragem que são características importantes no homem e que o guiam em suas decisões e projetos. Mas, tal situação também o torna arrogante, visto que ele se acha em um seleto grupo de “poderosos”. Mais uma vez vemos a atualidade do texto de Espinosa, pois, se olharmos em nosso redor e verificarmos as características dos “afortunados” veremos que ele tem razão. Se prestarmos bem a atenção poderá perceber o quanto se acham donos da razão, das melhores idéias, das soluções ideais; para quem trabalha em uma empresa verá a realidade destas palavras, por exemplo, alguém já percebeu o quanto os patrões em suas empresas jamais admitem as opiniões de funcionários mais simples, e que estes dão valor as opiniões de seus gerentes e diretores? E quando saem as soluções vemos quanto tempo fora perdido em reuniões, palestras, discussões, pois chegaram a conclusões comuns, nada que altere o rumo da própria empresa.
Entretanto, estes mesmos homens que jamais aceitariam opiniões em tempos de fortuna, na adversidade se apegam a todo o tipo de conselhos. Se tornam religiosos do dia para a noite, enchem os bancos das igrejas louvando e cantando a Deus, o motivo da conversão? O medo. A possibilidade da penúria, da tristeza, da falta no lugar da abundância fazem os homens procurarem de tudo e colocarem a culpa em qualquer coisa, uns dizem: “É coisa do demônio!”, outros: “É um espírito maligno!”. Um exemplo disso são as igrejas que prometem a mudança, a riqueza ou então pais de santo que desfazem qualquer amarração, que trazem a pessoa amada em “2 dias!”. Tais slogans atraem os desesperados, sedentos por uma solução divina para seus medos. Tamanho é o medo de sentir medo, que estes pautam suas ações baseados nas superstições que trazem consigo, como nos destaca Espinosa:

“ Se acontece, quando estão com medo, qualquer coisa que lhes faz lembrar um bem ou um mal por que já passaram julga que é o prenúncio da felicidade ou da infelicidade... apesar de já se terem enganado centenas de vezes.”

Quem em sua vida também não teve tal pressentimento? Algo bom que acontecera, tem seus momentos como que reprisados dando a este um sinal de que algo bom virá, em contrapartida se acontece o contrário, se prepare! Pois o inferno irá começar! Não passar embaixo de escadas, desviar do gato preto, dentre outras, são medos retidos dentro do homem , que guiam sua vida e suas decisões. Quanto medo! Somos reféns de nós mesmos, seja na fortuna ou na adversidade, somos reféns. Não que o homem não deva buscar o auxílio divino, pelo contrário, o que Espinosa quer mostrar-nos com suas palavras em seu texto é a covardia do homem em ser o que ele é, ou seja, é a incapacidade de fazer da adversidade um degrau para a felicidade, aprender com os erros com a finalidade de ser melhor.
O medo para Espinosa é a causa que origina, conserva e alimenta a superstição. Os homens, em sua grande maioria procuram a Deus não por causa Dele, mas sim para conservar suas vaidades e perdem, dessa maneira, uma oportunidade valiosa de serem melhores através da ação de Deus. Mas não, todos estão em busca de um milagre que é a solução dos problemas.
Isso é o que me dá medo!

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